Lula usa tecnologia para combater fake news: plano de governo do presidente está registrado na blockchain

Augusto Medeiros
| 14 min read

Para garantir a autenticidade do seu plano de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva registrou o documento na tecnologia blockchain, a mesma usada para a criação das criptomoedas, como o Bitcoin.

A iniciativa do Partido dos Trabalhadores foi tomada ainda durante as eleições presidenciais de 2022, com a finalidade de combater fake news.

Neste artigo, você vai entender como funciona a blockchain e porque ela pode ajudar na luta contra as fake news. O Cryptonews conversou com dois especialistas, que ajudam a simplificar o entendimento.

Mesmo que você não seja investidor de criptomoedas, vai perceber que a blockchain é o futuro do mundo digital e que pode ser usada para vários outros fins, até mesmo para substituir contratos de compra e venda tradicionais.

A Blockchain foi criada com o objetivo de livrar as pessoas da dependência dos bancos

Para facilitar a compreensão da questão até chegarmos ao plano de governo de Lula, é interessante saber por que surgiu essa tecnologia blockchain e como ela funciona. 

Inicialmente, ela foi desenvolvida para possibilitar a criação do Bitcoin, a primeira criptomoeda do mundo. Isso foi em 2008.

E a ideia de uma criptomoeda é ter uma moeda criptografada. E o que é criptografia? São técnicas de segurança de dados, que são codificados e só quem tem a “chave” pode decodificar. 

Uma maneira simples de entender é tomar o exemplo das mensagens de WhatsApp e Telegram

Você pode lembrar que costuma aparecer um aviso no WhatsApp informando que a sua mensagem é criptografada. Quando você envia a mensagem para uma pessoa, isso quer dizer que quem recebe tem a “chave” para decodificar. Tudo isso é automático. Você não precisa fazer nada.

Nesse envio e recebimento de mensagens criptografadas, a segurança da criptografia evita que outras pessoas consigam acessar suas mensagens.

Agora que está mais claro o que é uma criptomoeda e a criptografia, vamos seguir com o raciocínio. A criptomoeda não está ligada aos bancos. É uma iniciativa independente para permitir que as pessoas sejam, realmente, detentoras do próprio dinheiro, sem precisar passar por bancos e ter que pagar taxas para qualquer tipo de transação. 

No caso da blockchain, essa criptografia das moedas é feita dentro de um protocolo e depois elas são armazenadas em blocos. 

A criptomoeda é um dinheiro que só existe no mundo virtual. Podemos dizer que são moedas em forma de códigos e esses códigos são guardados dentro de blocos digitais, que são as blockchains.

As blockchains são armazenadas em computadores super potentes espalhados por todo o mundo e todas as pessoas têm acesso a elas, mas para fazer as transações, só mesmo com os códigos.

Depois que esses blocos são criados, criptografados, não podem mais ser modificados. Daí a explicação para a questão da autenticidade. Mas vamos chegar lá com mais clareza.

A Blockchain e o plano de governo de Lula

É hora de juntarmos todas essas informações ditas até agora para entender o que isso tem a ver com o registro do plano de governo de Lula em uma tecnologia blockchain.

A blockchain surgiu para a criação das criptomoedas, mas com o tempo, percebeu-se que ela serviria para várias outras possibilidades.

O raciocínio é sempre semelhante, a diferença é que as outras finalidades não são para dinheiro, porém para bens que possuam um valor e precisem dessa proteção de dados ou que estejam ligados a algum tipo de transação.

Quando o plano de governo foi registrado em uma blockchain, isso gerou um código único (hash) e que não pode mais ser modificado e nem pode ser acessado por terceiros, porque está tudo criptografado, como as mensagens do WhatsApp.

No site do ministro da economia, Fernando Haddad, foi feita uma publicação que esclarece as razões para o registro, feito pela empresa Decred. Haddad já tinha feito o registro do plano de governo dele nas eleições presidenciais de 2018 e no ano passado para o Governo de São Paulo:

Nestas eleições, Lula e Haddad vêm sofrendo ataques de ódio e mentiras em uma escala nunca antes vista nesse país. Suas propostas também têm sido modificadas para a manipulação de eleitores.

Os esforços da imprensa, das mantenedoras das redes sociais e do TSE para desmentir as teorias, criadas pela rede de desinformação dos candidatos bolsonaristas, não têm tido a velocidade e o alcance necessários.

Para evitar isso, o Plano de Governo do Lula e Haddad agora foram registrados em uma tecnologia inovadora e incorruptível de registros distribuídos por computadores pelo mundo todo, a Blockchain, que também está por trás da moeda Bitcoin, e vem sendo apontada como solução para cidades inteligentes e governos transparentes.

Se alguém recebe um documento que seja um plano de governo modificado, ou seja, uma fake news, como o cidadão comum pode saber que é uma informação falsa?

Na mesma publicação do site do Haddad está a explicação:

“Para verificar se os Planos de Governos são autênticos é muito simples”, informam Vinicius Russo e Fernando Henriques, voluntários que assessoraram na iniciativa, “basta subir o arquivo do Plano de Governo que você pode ter recebido por WhatsApp, e-mail etc, no site da Decred, e comparar o código que aparece (o “digest”) com o código disponível no site do Lula e do Haddad”. 

Estes são os códigos dos Planos de Governo:

Código de identificação (hash) do plano do Lula
3b1196fd91ed9ddc093fe90ce29ecdceb4758fbd15f5943ba054e1a0bac34909

Código de identificação (hash) do plano do Haddad
8d09ed1d25892d2e4c4ce2b486dacaea792bb5cfd92de9e026e8899620d81953

Especialistas brasileiros explicam a importância da blockchain

Para entender melhor esse tema, que ainda é novidade para muitos brasileiros, o Cryptonews conversou com o professor Jeff Prestes, responsável pela elaboração do curso de Blockchain e Smart Contracts da PUC São Paulo. Ele conta que o uso de blockchain por brasileiros para fazer registros de conteúdo e provar sua originalidade começou em 2016. 

Existem até empresas que são especializadas nesses registros e uma das pioneiras, segundo o especialista em blockchain, foi a OriginalMy, que hoje tem sede na Estônia, onde existe mais abertura para o mercado blockchain. 

Prestes, que é executivo de Tecnologia da Informação (TI) com mais de 24 anos de experiência em Desenvolvimento de Software, explica que o procedimento usado por pela OriginalMy é muito similar ao aplicado para o registro do plano de governo de Lula.

“Existem sites na internet que calculam o hash de um documento. Ele é uma identificação única para conteúdo digital, um arquivo texto, uma imagem, uma música, qualquer informação digital, que no fundo vai virar ‘0’ e ‘1’, no binário. Você pega aquilo e existem algoritmos, que calculam esse hash, fazem uma conta.” 

Como se trata de matemática, Jeff exemplifica que, se for calculado 15+15, no Brasil, o resultado, 30, será o mesmo se esse cálculo for feito na Alemanha, por exemplo. 

“Então, ele é verificável (conteúdo). Ele é único, mas se eu te passar esse arquivo, pra você, aí na Alemanha, você vai pegar, vai calcular o hash e ele vai ser igual. Dessa forma que não tem fraude. Por quê? Se algum bolsonarista entrasse no programa de Lula, ou do Haddad e colocasse uma vírgula, trocasse um ponto, o hash calculado, ele não seria o mesmo. Então, você protege a originalidade do conteúdo.”

Nós, também, conversamos com o advogado Rodrigo Caldas Borges, estrategista em blockchain pela Universidade de Oxford e Massachussetts Institute of Technology e membro fundador da Oxford Blockchain Foundation. Borges destaca que o registro do plano do governo Lula na blockchain mostra como essa tecnologia, criada para o Bitcoin, pode ser usada para outras finalidades, como o registro de informações de forma segura.

E por que isso? Pela estrutura da tecnologia, os dados que são nela lançados, eles, em tese, são imutáveis. Então, uma vez colocada ali uma informação, você tem o controle de onde esses dados estão ali inseridos, quando foram inseridos e pra onde eles foram transferidos, disse o especialista, co-autor do livro ‘Criptomoedas no Cenário Internacional’.

Blockchain Decred também foi usado para doações de campanha

Em 2020, na disputa pela Prefeitura de São Paulo, ambos os candidatos, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), aderiram ao uso da tecnologia blockchain para registrar as doações de campanha feitas por apoiadores.

Eles usaram a plataforma Voto Legal, que é um sistema de crowdfunding que busca mais transparência ao processo eleitoral. O Voto Legal usa a blockchain Decred para registrar as doações que foram feitas a cada candidato. 

Cada doação na plataforma possui um recibo matemático único (hash Blake-256). Composto pelas informações da doação como: nome do doador, número do cadastro do doador, valor e horário.

Para que serve a blockchain? Conheça outras funcionalidades.

São muitas formas de aproveitar a tecnologia blockchain para transações e armazenamento de dados de forma mais segura. Vamos ver algumas delas a seguir.

Saúde: já se sabe que há empresas que usam a tecnologia blockchain para garantir mais segurança e privacidade sobre dados de clientes, como a segunda maior companhia de seguros dos Estados Unidos, Anthem. Ela utiliza a tecnologia para seus mais de 40 milhões de clientes desde 2019. 

O CEO da empresa disse à revista Forbes que a medida traz mais tranquilidade:

“O que a blockchain potencialmente nos dá a oportunidade de fazer é não nos preocupar com esses problemas de confiança”, disse Gail Boudreaux, CEO da Anthem. “Agora temos a oportunidade de compartilhar dados sobre os quais as pessoas podem tomar suas próprias decisões.”  

Pagamentos internacionais: da mesma forma que a blockchain tira da jogada os bancos como intermediários de transações de moedas, também reduz o grande número de intermediários para transações internacionais. 

Isso se dá com a criação de uma rede integrada para a compensação, em tempo real. Um exemplo disso é a gigante IBM, da área de tecnologia, que já desenvolveu o próprio sistema de blockchain. Na plataforma IBM Blockchain World Wire, é possível liquidar transações, quase em tempo real, através do uso e troca de ativos digitais.

Outro grande grupo que aderiu à tecnologia blockchain foi o BMW Group, que segundo publicado em seu site, usa a blockchain para otimizar seus processos. A blockchain permite o compartilhamento de dados invioláveis, com aplicações potenciais em toda a cadeia de valor automotiva. 

O BMW Group usa essa tecnologia em compras para garantir a rastreabilidade de componentes e matérias-primas em cadeias de suprimentos internacionais de vários estágios. A utilização da blockchain começou a ser feita pela BMW há cerca de quatro anos.

“Em 2019, realizamos com sucesso um projeto-piloto de compra de faróis dianteiros. Queremos expandir o projeto para um grande número de outros fornecedores”, disse Andreas Wendt, membro do Conselho de Administração da BMW AG responsável por Compras e Rede de Fornecedores.

Jogos on-line: a tecnologia blockchain é muito popular entre os jogadores de games virtuais, isso porque muitos jogos são desenvolvidos na blockchain. E isso ocorre de várias maneiras e uma delas é com a criação de NFTs, que são bens virtuais adquiridos nos jogos. 

O NFT, Token Não-Fungível, pode ser um personagem do jogo e pode ser vendido entre os jogadores. Um exemplo disso é o Calvaria, um jogo de cartas que está sendo desenvolvido na blockchain.

Se quiser saber mais sobre este jogo, clique neste link, que há uma matéria do Cryptonews sobre o assunto.  

Carros elétricos: em se tratando de uma tecnologia futurista, muitos projetos são desenvolvidos para acompanhar as tendências do mercado, como é o caso do aumento nas vendas de carros elétricos, que não emitem gás carbônico e ajudam a reduzir a poluição ambiental. Neste caso, temos o exemplo do C+Charge, que desenvolve um aplicativo para motoristas de carros elétricos. 

O C+Charge simplifica o carregamento de veículos elétricos e recompensa os usuários com créditos de carbono.

O advogado, Rodrigo Borges, acrescenta mais exemplos ao uso da blockchain. 

“Tem sido utilizado, por exemplo, pra rastrear cadeias produtivas, como a de pedras preciosas, pela Cartier; pra cadeia produtiva de produtos orgânicos, pela rede de supermercado Whole Foods, dos Estados Unidos. Então, a tecnologia, ela tem uma aplicabilidade muito interessante pra fins de segurança e registros de informações, seguindo a mesma metodologia utilizada para as transações com os Bitcoins, disse Borges.”

Rodrigo acrescenta que há, ainda, muitas possibilidades para o mercado se beneficiar com o uso da blockchain:

“Se extrapolarmos o uso da tenologia blockchain, poderia, eventualmente, sugerir o sistema cartorário de registro  de propriedade imobiliário mais simples, ágil e menos oneroso.”

Avanços do mercado blockchain na política econômica

O Banco Central do Brasil tem planos para lançar, ainda este ano, o Real Digital Brasileiro, que seria uma versão digital do real, uma moeda criptografada. Porém, o futuro do real não é uma moeda descentralizada, o que significa que teria o controle de uma instituição financeira, no caso, o BC. 

Se tiver curiosidade para saber mais sobre a nova versão do real, leia a matéria do Cryptonews sobre os primeiros testes.

Real Digital Brasileiro começa a ser testado

Outro avanço na política econômica que envolve a blockchain foi a aprovação da regulamentação das criptomoedas, no Brasil.

Revolução nas criptos: deputados aprovam Regulação do Mercado de Criptomoedas no Brasil

Como vimos, a blockchain surgiu para dar suporte ao bitcoin, mas o sistema, também, é usado para fins que não envolvem criptomoedas. Isso significa que, pode haver defensores do blockchain que têm ressalvas sobre as criptomoedas. 

É o caso do próprio ministro da Economia, Fernando Haddad, que usou a tecnologia para registrar seu plano de governo, nas eleições para o Estado de São Paulo, mas já fez declarações contrárias ao Bitcoin, como foi publicado pelo Business2Community nessa matéria:

Novo ministro da economia: Fernando Haddad já fez críticas ao Bitcoin

Curiosamente, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, durante o Governo Lula, entre 2003 e 2011, foi contratado para ser conselheiro da Binance, uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo.

Início de um novo tempo

Enquanto o mercado blockchain já possui muitos profissionais e empresas especializadas, para muita gente, trata-se de algo completamente novo. Porém, vimos que essa tecnologia está, cada vez mais, presente na vida da população. 

Isso não ocorre só no Brasil, outros países avançam na aplicação das novas tecnologias e moedas digitais. O Uruguai também aprovou a regulamentação das criptomoedas e a União Europeia chegou a um acordo sobre a regulamentação de criptoativos.