Projeto piloto do Real Digital pode limitar os temidos riscos de desintermediação

Killian A.
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Na semana passada, o Banco Central divulgou o início dos testes com o projeto piloto do Real Digital, os quais possuem a previsão de duração de, aproximadamente, um ano e estão para durar até o mês de fevereiro de 2024.

Este projeto piloto tem sido desenvolvido com foco na privacidade das transações e prevê a realização de simulações de operações com títulos do Tesouro Nacional. O modelo do Real Digital prevê que a moeda será usada apenas para as operações que são realizadas no atacado. Já no varejo, o projeto piloto prevê que serão usados tokens de depósitos bancários.

Como o projeto ainda está na fase inicial de testes, é difícil saber se o Banco Central vai manter esse modelo ou tentar outra solução.

A Moody’s Investors Service, uma das grandes agências de classificação de crédito, elaborou um relatório sobre a implementação do projeto piloto do Real Digital. De acordo com o relatório realizado pela Moody’s:

“Ao não permitir que clientes de varejo tenham acesso direto à CBDC, o Banco Central amortece o risco de saídas de depósitos dos bancos que poderiam reduzir a disponibilidade de financiamento para o sistema financeiro”

As diretrizes do Piloto do Real Digital e uma revisão das diretrizes gerais da iniciativa foram apresentadas no dia 6 de março de 2023, em uma entrevista coletiva no auditório Dênio Nogueira. Participaram da coletiva o coordenador da iniciativa do Real Digital, Fabio Araujo, o chefe do Departamento de Informática do Banco Central, Haroldo Jayme Cruz, o chefe-adjunto do Departamento de Operações do Mercado Aberto, Marcus Antônio Sucupira e o Coordenador-Geral de Operações da Dívida Pública da Secretaria do Tesouro Nacional, Luis Felipe Vital Nunes Pereira.

Uma das principais metas do Banco Central é a integração do Pix com o Open Finance e ambos com o Real Digital, principalmente tendo em vista que a moeda digital deverá começar a circular o mais breve possível.

Real Digital, uma das maiores inovações dos meios de pagamento

Uma das diretrizes para o desenvolvimento de um Real em formato digital é a interoperabilidade entre essa nova forma do Real e os meios de pagamento que hoje estão disponíveis à população. Por isso, além dos novos usos projetados para o Real Digital, as formas atuais de uso da moeda também deverão permanecer disponíveis.

O Real Digital será uma representação digital do Real físico hoje em circulação e a política monetária será a base de sustentação de seu valor. Com o Real Digital, será possível fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos – banco, IP ou outra instituição que venha a ser autorizada pelo Banco Central para tal finalidade –, ou mesmo através do Pix.

O projeto prevê, ainda, a possibilidade de ser realizada a transferência de Reais Digitais para outras pessoas, transformar os Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar os Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos. Ou seja, será possível movimentar os Reais Digitais da mesma forma que são movimentados os outros recursos hoje depositados em instituições financeiras.

Para que seja possível ter acesso ao Real Digital, o usuário final terá uma carteira virtual em custódia de um agente autorizado pelo Banco Central – como um banco ou uma instituição de pagamento.

Quando o Banco Central movimenta a liquidez da economia, em sua missão de garantir a estabilidade do valor de compra do Real, a quantidade de reais digitais em circulação será levada em conta. O Real Digital vai compor a medida de agregado monetário de maior liquidez disponível, similar a depósitos bancários e à moeda física que está hoje em poder das pessoas.

Uma diretriz estabelecida para o Real Digital é que a moeda mantenha os elevados níveis de segurança e privacidade atualmente disponíveis nas operações realizadas no sistema bancário e de pagamentos. O uso do Real Digital promete ser transparente e oferecer a possibilidade de ser convertido para qualquer outra forma de pagamento disponível, como depósito bancário convencional ou em real físico, e também poderá ser utilizado para pagamentos do dia a dia.

Qual a diferença entre o Real Digital e as criptomoedas?

O Real Digital pertencerá a uma nova categoria de moedas digitais, as CBDC (Central Bank Digital Currencies). O Real Digital não será uma criptomoeda no sentido atual do termo, mas sim uma nova expressão de moeda digital emitida pela autoridade monetária brasileira, e será garantida pelos mesmos fundamentos e pelas mesmas políticas econômicas que determinam o valor e a estabilidade do Real convencional, emitido em papel-moeda.

Central Bank Digital Currencies (CBDC) e Crypto Assets  – moedas virtuais – não são sinônimos. Pelo contrário, são muito diferentes em diversos aspectos. Por exemplo, a natureza dos crypto assets é de ativos que podem ser negociados em exchanges e bolsas. Portanto, eles não têm todas as características fundamentais para serem considerados uma moeda – que servem como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta – e não são emitidas por autoridades monetárias, como os bancos centrais. Já os CBDC são moedas de fato e detêm todas as suas características.

Criptomoedas como Bitcoin e Ethereum, apresentam uma grande volatilidade, o que dificulta o seu uso como meio de pagamento. Enquanto isso, o Real Digital é uma expressão da moeda soberana brasileira, que está sendo desenvolvida para dar suporte a um ambiente seguro onde empreendedores possam inovar e onde os consumidores possam ter acesso às vantagens tecnológicas trazidas por essas novas ferramentas, sem que para isso seja necessário se expor a um ambiente financeiro não regulado.

No que se refere à emissão e ao acesso ao Real digital, a moeda será emitida pelo Banco Central, tendo como fundamento a condução da política monetária, que visa garantir a estabilidade do poder de compra do Real. Assim, não haverá mineração.

Qualquer pessoa ou empresa que desejar adquirir os Reais em formato digital deverá entregar Reais em formato convencional (papel-moeda) e o Banco Central emitirá os Reais digitais correspondentes. Essa operação não será feita diretamente com o Banco Central, pois será intermediada por um participante do sistema financeiro, como um banco, cooperativa ou fintech; por meio do sistema de pagamentos ou mesmo através de algum novo tipo de empresa que venha a ser criada para intermediar o acesso e a utilização de reais no formato digital.

O foco da iniciativa do Real Digital está nas questões domésticas, mas a discussão internacional sobre pagamentos transfronteiriços tem mostrado força, principalmente com as diretrizes publicadas pelo G20 para a melhora dos sistemas internacionais de pagamentos. Uma coordenação internacional poderia trazer enormes ganhos de eficiência para esses sistemas e as discussões sobre CBDC, das quais a grande maioria dos bancos centrais têm participado, colaboram para reforçar essa coordenação.

Alguns desafios para a implantação do Real Digital

Um dos maiores desafios para a implantação de um real digital decorre do fato de o sistema de pagamentos brasileiro já ser bastante moderno, com boas soluções implantadas tanto para pagamentos no atacado quanto no varejo. O sistema de pagamentos instantâneos, o PIX, é um sucesso de adesão e tem ajudado a mudar a maneira como pequenos negócios fazem as suas transações.

Por isso, especialistas acreditam que o maior desafio é ir além dos serviços que já são prestados à sociedade brasileira e fomentar o desenvolvimento de novas funcionalidades, novos serviços e novas formas de prestação de serviços financeiros. A transformação digital está se acelerando cada vez mais no Brasil, e não há como se ter certeza de o quão rápido a demanda por esses novos serviços pode se intensificar.

Por isso, o Banco Central deve estar preparado para desenvolver instrumentos capazes de atender às demandas da sociedade e para garantir a eficácia de suas políticas de estabilidade monetária e financeira, conforme expresso em sua missão.

A questão tecnológica é também muito importante, já que as tecnologias envolvidas na implantação de moedas digitais de bancos centrais estão se desenvolvendo rapidamente, mas vários testes ainda serão necessários para estabelecer os níveis de eficiência, segurança e privacidade dessas soluções tecnológicas antes de serem efetivamente implementadas no Brasil.

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