Rombo de R$ 600 milhões na Lojas Marisa: problema de governança diz especialista

Augusto Medeiros
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A cifra de R$ 600 milhões está longe do montante de R$ 20 bilhões da crise da Americanas, mas é fato que, em pouco tempo, mais uma bomba no varejo promete desestabilizar ainda mais o mercado. 

O Cryptonews conversou com o especialista em finanças, Luiz Gustavo Baptista, que não acredita se tratar de uma questão de crise econômica, mas sim de um problema de governança. 

Em meio a essa dívida milionária, o presidente-executivo da rede de lojas Marisa, Adalberto Pereira Santos, anunciou na última terça-feira a sua saída do posto. Também deixou o cargo, o membro independente do conselho de administração, Marcelo Adriano Casarin.

Como de praxe em empresas que fazem parte das negociações na bolsa de valores, sempre há comunicados feitos abertamente na internet para investidores e para o mercado em geral. Assim como ocorreu com a Americanas, a Marisa, também, publicou um “Fato Relevante”, onde informa a renúncia do presidente-executivo.

A publicação foi feita no dia 8 de fevereiro e segue, a seguir, na íntegra:

MARISA LOJAS S.A. Companhia Aberta CNPJ/ME nº 61.189.288/0001-89 

FATO RELEVANTE Renúncias de membros da administração e contratação de assessores externos 

A MARISA LOJAS S.A. (“Companhia”) em cumprimento ao disposto no artigo 157, §4º, da Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conforme alterada, e na Resolução CVM nº. 44, de 23 de agosto de 2021, vem informar aos seus acionistas e ao mercado em geral que o Conselho de Administração tomou ciência e acatou, nesta data, o pedido de renúncia do Diretor-Presidente Sr. Adalberto Pereira Santos e do membro do Conselho de Administração Sr. Marcelo Adriano Casarin.

A Companhia informa ainda que já iniciou o processo de seleção do novo Diretor Presidente e que, interinamente, o Sr. Alberto Kohn de Penhas, atual Vice-Presidente Comercial e executivo com longa trajetória na Companhia e ampla experiência no setor de varejo, assumirá as funções do cargo de Diretor-Presidente. 

Da mesma forma, o Conselho de Administração está tomando as medidas necessárias para a nomeação de novo membro para o Conselho de Administração da Companhia, o qual ocupará a cadeira anteriormente ocupada pelo Sr. Marcelo Adriano Casarin até a Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária da Companhia a ser realizada em abril de 2023. 

Em continuidade ao processo de otimização financeira e aprimoramento de sua estrutura de capital, a Companhia contratou a BR Partners para assessorá-la no processo de renegociação de seu endividamento financeiro e a Galeazzi Associados para apoiá-la no aperfeiçoamento da estrutura de custos da Companhia. 

Por fim a companhia registra seu agradecimento às relevantes contribuições prestadas pelos Senhores Adalberto Pereira Santos e Marcelo Adriano Casarin durante suas trajetórias na Companhia e faz votos de sucesso em seus próximos desafios profissionais e pessoais. 

A Companhia manterá seus acionistas e o mercado em geral informados sobre os temas objeto do presente fato relevante. 

São Paulo, 7 de fevereiro de 2023. 

Renê Santiago dos Santos 

Diretor Financeiro Administrativo e Relações com Investidores

Depois do comunicado, as ações da Marisa (AMAR3) fecharam em queda de 22,64%, a R$ 0,82. É a primeira vez que o papel da companhia vale menos que R$ 1, desde a estreia na Bolsa, em 2007. 

Problema de governança

Luiz Gustavo Baptista

Para entender as causas e consequências do rombo na Marisa, o Cryptonews conversou com o economista Luiz Gustavo Baptista, mestre em Economia e Gestão Empresarial e professor convidado da FGV para ministrar aulas nos cursos de MBA da instituição.

Gustavo relembra que há cerca de dois anos houve um movimento contrário do que está acontecendo agora, uma supervalorização das ações da Marisa, quando houve boatos de mercado de uma possível associação entre Americanas e Marisa. Subiu, num dia, cerca de 8%, ele recorda.

“É uma crise de governança. O que a governança estaria tratando, normalmente, num ambiente de uma empresa, não somente a varejista, mas numa empresa como um todo, principalmente, aquela que tem ação em bolsa, precisa dessa lógica de publicação de resultados, auditoria externa”, justificou. 

O professor explica que a governança serve para dirimir problemas de conflitos de interesse entre a administração e os acionistas e se não há uma boa governança, as consequências são imediatas:

“O movimento que a gente percebe de saída de ação e, ontem, a ação fechou em menos de um real, um patamar muito baixo, é a questão do medo, do risco, é um efeito cascata, como uma grande, a Americana apareceu, teve a situação na qual estava, os detentores de ações vão tentar se livrar o mais rápido possível. Aí vem aquela lógica da oferta e da demanda. Com muita oferta da ação no mercado, a tendência é preço cair”, explicou.

O especialista diz que, em relação a esse movimento de mercado, não vê ainda movimentação para buscar maior transparência: 

“As auditorias fazem as análises das peças contábeis e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), também, tem o papel de fiscalizar, as empresas têm que submeter tantos os seus balanços quanto seus relatórios de auditoria, a CVM tem que homologar isso.

Então a pergunta que se faz é, o que a CVM tá fazendo? Estourou um e já tá começando a estourar outro? Será que virão outros em cascata? 

E mais, essas são grandes que têm suas ações listadas em bolsa e aqueles grupos varejistas que são de capital fechado? Quando você fala do impacto do emprego isso é muito grande”, questionou Gustavo.

Ele esclarece que é preciso começar a verificar esses pontos, a levantar essas questões. Porque essas empresas grandes, elas não são auditadas por pequenas empresas de auditoria, são as grandes empresas. 

Gustavo lembra que a Price é que auditava a Americanas. 

“Então, tem que levar isso em consideração, como é que fica tal situação. É uma preocupação muito séria, dado que o que a Marisa alega é que a crise econômica é sem precedentes. 

Eu compreendo que a crise econômica é sem precedentes, mas você percebe, também em outros segmentos de varejo, um reajustamento, um enquadramento, por exemplo, a venda on-line, que é você vender por mais de um canal, cruzar mais de um canal, você compra no on-line e pega no off-line e por aí vai”, questionou. 

Esse novo modelo a que o Gustavo se refere é o usado pela Magalu, como mostramos na matéria com a dona da companhia, Luiza Trajano, que você pode acessar nesse link: Luiza Trajano: o Brasil está se abrindo.

Ele explica que, mesmo com a crise citada pela Marisa, houve um crescimento e, consequentemente, quando se fala de postos de trabalho, houve um reajustamento dessas empresas que partiram para mais de um canal de comercialização. 

O especialista fala sobre a preocupação com os postos de trabalho. 

“A Marisa já fechou quatro lojas e tem uma perspectiva de verificar mais 15 lojas, com isso é um impacto muito grande, a gente tá falando de 20 lojas, se a gente fizer uma média aí, de 50 a 100 funcionários por loja, há um volume bem grande de impacto econômico, de renda, dessas coisas todas”, lamentou. 

Ele reforça que o efeito Marisa é um efeito cascata do efeito Americanas, aversão a risco, todo mundo com medo, todo mundo desfazendo de papel. No caso da Americanas, ele diz que houve uma distribuição de lucros muito grande, uma distribuição de dividendos muito grande, tudo em busca do dividendo e aí gera o rombo.

“Então o ponto principal da história é pensar num movimento de governança, até que ponto as regras de governança estão sendo respeitadas, até que ponto existe um trabalho mais consistente das auditorias independentes. Você começa a ter um processo de descrédito e aí quando você gera descrédito, a coisa fica difícil de se reerguer”, disse

O professor destaca que o endividamento da Marisa, basicamente, é um endividamento bancário, ela deve aos grandes bancos, como Bradesco e Itaú.

O professor se preocupa com o efeito do descrédito:

“Os bancos estão mais reticentes em rolagem de dívida, em renegociação, deixar mais frouxo o crédito, é um momento recessivo , precisa de um endurecimento desse crédito porque isso também gera num efeito cascata, o risco dos bancos, um movimento muito grande pode gerar riscos aos bancos e aí os bancos têm um limite de endividamento, que é a proteção de devedores duvidosos,” explicou.

O Cryptonews entrou em contato com a assessoria de imprensa da CVM para ouvir o que a instituição tem a dizer sobre os questionamentos do especialista e recebeu a seguinte nota:

A CVM acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário.  A Autarquia não comenta casos específicos.