Buscas por Bitcoin no Google disparam em meio a crise do sistema financeiro tradicional nos Estados Unidos

Gabriel Gomes
| 8 min read

O sentimento de schadenfreude (contentamento com o sofrimento alheio) de alguns dos atores do setor cripto diante dos problemas enfrentados pelo setor bancário e do embaraço de reguladores e mídia é compreensível e humano, mesmo que não seja especialmente nobre. 

Muitos profissionais e entusiastas do setor consideram que reguladores e veículos de imprensa foram, simultaneamente, excessivamente duros com as exchanges, exageradamente céticos com relação a criptomoedas e NFTs, enquanto se mostraram demasiadamente tolerantes ou negligentes com as falhas do sistema financeiro tradicional.

Ou, talvez, em vez de schadenfreude, seja mais acertado falar no que Angie Lau, fundadora e Editora-Chefe da Forkast Labs, site sobre a confluência de tecnologia e finanças, atribuiu a si mesma em uma recente Carta ao Leitor: 

Uma quieta percepção de ironia depois do ano de 2022, de dor quase sem precedentes para o setor cripto, acusado não faz tanto tempo assim de ser uma fraude, da troca de lugares entre este e o setor bancário.

Em alguns casos, porém, “quieto” definitivamente não é palavra certa. Changpeng Zhao, CEO da maior exchange de criptomoedas do mundo, a Binance, por exemplo, várias vezes postou mensagens no Twitter lembrando que, enquanto exchanges como a dele e as criptomoedas eram alvos de censuras de reguladores e imprensa, as debilidades do setor financeiro tradicional ficavam ignoradas. Enquanto isso, se agravavam, preparando o caminho para as insuficiências de liquidez de bancos que exigiram seus fechamentos e para uma crise de confiança na solidez do setor bancário americano.

Interesse no Bitcoin cresce com a desconfiança que recai sobre os bancos americanos

Segundo Lau, o volume de buscas por Bitcoin no Google aumentou 5000% em meio à crise bancária nos Estados Unidos. Isso seria uma resposta ao medo de que as autoridades que supervisionam os bancos não conseguissem impedir o alastramento do problema e o país se visse às voltas com um colapso do setor bancário ou algo parecido.

Inicialmente, as quedas de bancos como Silvergate e Silicon Valley Bank, considerados simpáticos ao setor cripto e próximos de empresas que atuam nele, levaram a quedas nas cotações de criptomoedas. 

O fim de semana que se seguiu à intervenção dos reguladores que fechou o Silicon Valley, no dia 10 deste mês, uma sexta-feira, chegou a assistir à quebra da paridade entre a stablecoin USD Coin (USDC) e o dólar. A empresa Circle, que emite a moeda digital, tinha parte dos fundos que servem de lastro dela depositados no Silicon Valley Bank.

No entanto, as garantias dos reguladores quanto aos fundos dos depositantes nos bancos fechados ajudaram a estabilizar a situação, e algumas criptomoedas valorizaram-se consideravelmente. Um exemplo: quando este artigo ficou pronto, a cotação do Bitcoin era pouco superior a US$ 27.500 dólares, mais de 30% superior ao que era em 10 de março. Brevemente, chegou a passar de US$ 28 mil dólares, nível a que não chegava desde junho do ano passado.

Gráfico do Bitcoin desde o início da crise dos bancos nos EUA.

E não é só o Bitcoin. A valorização de mercado total das criptomoedas era de pouco mais de US$ 900 bilhões de dólares em 10 de março e supera US$ 1,20 trilhão de dólares em 23 de março. Entre as quase duas semanas que separam 10 e 23 de março, a criptomoeda XRP valorizou-se quase 20%. O USD Coin conseguiu chegar à segunda-feira, dia 13 de março, com a paridade com o dólar praticamente restaurada.

Medo dos investidores é que mais bancos quebrem

Em contraste com a recente exuberância do setor cripto, preocupações com os riscos ao setor bancário levaram às recentes intervenções da Federal Deposit Insurance Corporation, agência que garante os depósitos bancários de até US$ 250 mil dólares, no Silicon Valley Bank e no Signature Bank. A situação criou o temor de que um crescente número de bancos se provasse insolvente.

Um estudo dos economistas Erica Xuewei Jiang, da University of Southern California, Gregor Matvos da Northwestern University, Tomasz Piskorski, da Columbia University, e Amit Seru, da Stanford University, indicava haver quase 190 bancos americanos em posição similar àquela em que o Silicon Valley Bank estava pouco antes de ser fechado. 

A Moody’s Investor Service, subsidiária da Moody’s Corporation do ramo de classificação de crédito de títulos, rebaixou de classificação os títulos do banco, o que a S&P Global fez duas vezes em cinco dias.

Não chega a surpreender que muitos investidores estejam dispostos a explorar opções de investimentos como criptomoedas, que, a seus olhos, podem oferecer alguma esperança de estabilidade e de oportunidades de crescimento.

Impacto de colapsos de alguns empreendimentos cripto ainda é relevante

Como Lau reconheceu em sua Carta ao Leitor, as dificuldades com que o setor bancário se debate não significam que colapsos ligados ao setor cripto que fizeram bilhões de dólares virarem pó no ano passado não tenham tido importância.

Exemplos relevantes são os fracassos das criptomoedas do ecossistema Terra, da corretora FTX e do fundo de hedge Three Arrows Capital. Esses e outros empreendimentos fracassados perfaziam uma porção maior do universo cripto que os bancos recentemente fechados perfazem das finanças tradicionais, mas põem a situação em uma perspectiva diferente.    

Kadan Stadelmann, Diretor de Tecnologia da empresa Komodo, que desenvolve infraestrutura para blockchain, à Forkast afirmou que o programa multi trilionário de flexibilização quantitativa (em inglês, quantitative easening) do banco central americano, o Fed, que, em resposta à pandemia de Covid, cortou as exigências de reservas bancárias mínimas de 10% para 0%, é responsável pelo atual surto inflacionários por que passam os Estados Unidos.

Com isso, fez com que as pessoas procurassem formas alternativas de preservação de seus patrimônios, inclusive o Bitcoin, a criptomoeda mais conhecida, que, no modo de ver de muitos, tornou-se uma das principais opções.

Apesar de seguidas altas da taxa de juros, a inflação anualizada dos Estados Unidos ainda está em por volta de 6%, muito acima da meta do banco central estadunidense de mantê-la abaixo de 2% ao ano. Segundo um relatório da Bloomberg, empresa que fornece informações e análises sobre negócios e finanças, esse fato, somado à possibilidade de que o Fed assuma uma política monetária menos restritiva, tem contribuído para a valorização do Bitcoin.

Criptomoedas podem ser boa maneira de diversificar nos investimentos

É possível que, a curto e médio prazos, o mercado de criptomoedas ainda assista a valorizações devido à entrada nele de dinheiro de investidores interessados em usar os ativos digitais como forma de diversificação de seus portfólios.

As altas recentes das criptomoedas admitem duas explicações principais que não necessariamente se excluem mutuamente. A primeira é a perda de confiança do público no setor financeiro tradicional e nos reguladores dele, inclusive o Fed, e uma fuga para a segurança (o que pode ser surpreendente, tendo em vista a volatilidade das criptomoedas) do Bitcoin, visto como proteção contra a inflação. 

A segunda delas é que os reguladores, apesar de possíveis falhas na identificação de problemas no setor financeiro tradicional, foram capazes de restaurar a confiança nele e na economia de modo geral, impedindo, por exemplo, que a pandemia causasse um colapso econômico. Isso levou a uma valorização de ações e ativos digitais, inclusive criptomoedas como o Bitcoin.

Tanto as altas como as baixas recentes confirmaram que o mercado de criptoativos não é imune a turbulências provocadas por crises do setor financeiro tradicional, mas o desempenho desses ativos durante essa crise é, depois de tudo considerado, motivo de esperanças para os investidores. 

Além disso, com a crescente adoção deles e a tendência de regulação de sua comercialização, os ativos digitais gradualmente vão se estabelecendo como uma parte legítima e cada vez mais importante do ecossistema financeiro global, ainda mais quando o sistema financeiro tradicional vê sua reputação abalada.

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