Circle espera que novo parceiro bancário, Cross River Bank, possa ajudar a restabelecer confiança em sua stablecoin

Gabriel Gomes
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Os últimos dias foram tumultuados para o mercado de criptomoedas, que já enfrentava o rescaldo da decisão do banco Silvergate, especializado em atender empresas do setor, de, diante do derretimento de suas ações, encerrar suas atividades, a qual foi anunciada em 8 de março.

Na sexta-feira, 10 de março, veio outro golpe: o Silicon Valley Bank (SVB), instituição bancária que costumava investir em startups do setor de tecnologia, entrou em colapso e, devido à falta de liquidez, sofreu intervenção dos reguladores bancários americanos, que alegaram ser a medida necessária à preservação dos fundos dos depositantes.

Muitas importantes instituições ligadas ao setor cripto tinham dinheiro depositado no SVB. Podem ser citados os exemplos da Avalanche Foundation, que supervisiona a plataforma descentralizada Avalanche, cujo token nativo é o AVAX, e a Circle, empresa emissora da segunda maior stablecoin em capitalização de mercado, a USD Coin (USDC).

Circle divulga que tem mais de US$ 3 bi no Silicon Valley Bank

Ainda na sexta-feira, através de sua conta no Twitter, a Circle admitiu que parte dos fundos usados para lastrear o USDC estavam depositados no SVB, que, segundo ela, era um dos seis bancos em que se mantém cerca de 25% do lastro do USDC.

No dia seguinte, também através do Twitter, a empresa explicou que havia confirmado que suas tentativas de transferência feitas na quinta-feira não haviam ainda sendo processadas e que, portanto, ainda havia US$ 3,3 bilhões de dólares, do total de US$ 40 bilhões de dólares que servem de lastro ao USDC, no Silicon Valley Bank.

Além disso, expressou seu desejo, que afirmou ser de todos os clientes e depositantes do SVB, de que este importante banco pudesse continuar suas atividades e afirmou estar disposta a seguir as orientações dos reguladores.

Mercado parece manter confiança no USDC

O medo de que os recursos disponíveis não fossem suficientes para garantir o valor do USDC levaram a um grande volume de vendas da stablecoin, que perdeu a paridade com o dólar. No sábado, sua cotação chegou a cair a 87 centavos de dólar, mas, à medida que o mercado se acalmava com as garantias dos reguladores de que os depositantes do SVB teriam acesso a seu dinheiro na segunda-feira, passou a recuperar as perdas. 

A stablecoin terminou o domingo negociada a pouco mais de 99 centavos de dólar.

Também podem ter colaborado para a recuperação do USDC as afirmações feitas pela Circle durante o fim de semana em sua conta no Twitter e em seu blog. A empresa disse que defenderia a paridade de sua stablecoin com o dólar, tinha os recursos necessários para fazer frente ao black swam (“cisne negro”, um evento improvável de grande impacto) representado pelo colapso do SVB e que, caso se fizesse necessário, recorreria a capital externo.

Com base na declaração das autoridades de que os depositantes de SVB teriam acesso a seu dinheiro na segunda-feira, a Circle declarou em nota que os cerca de 8% das suas reservas depositadas no banco fechado estavam seguras e que a empresa estava aliviada por ver que as autoridades haviam dado os passos necessários para lidar com a situação causada pela falta de liquidez do Silicon Valley Bank.

Circle anuncia parceria com outro Banco

Em sua nota, a Circle reafirmou a importância que dá, mesmo diante de crises bancárias, à manutenção da paridade de sua stablecoin com o dólar e à confiança que o público deposita no USDC. A empresa também anunciou um novo parceiro bancário: o Cross River Bank, instituição financeira sediada em Fort Lee, no estado de Nova Jérsei, que foi fundada em 2008.

Embora seja um parceiro habitual de atores tradicionais do setor financeiro como a empresa de processamento de pagamentos Visa, famosa por seus cartões de crédito, o Cross River Bank, com ativos calculados em US$ 9 bilhões de dólares, tem experiência provendo serviços relacionados a criptomoedas e atendendo empresas do setor, tais como a corretora Coinbase e fintechs, como Stripe, Affirm e Upstart.

Recentemente, o novo parceiro da Circle recebeu investimentos da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que, em nota ao público, destacou o papel do Cross River Bank na revolução das fintechs.

A Circle também afirmou que, logo que possível, o restante de seus fundos no Silicon Valley Bank serão transferidos para o banco em que a empresa mantém a maioria dos seus fundos que estão depositados em banco, o Bank of New York Mellon. Também conhecido como BNY Mellon.

O Bank of New York Mellon é o maior banco custodiante (instituição que se concentra em serviços relacionados a valores mobiliários) do mundo, está sediado na cidade de Nova Iorque e gerencia cerca de US$ 1,8 trilhão de dólares em ativos.

A apresentação de um novo parceiro e a acentuação de suas relações com outro, ambos considerados sólidos e estáveis, tem, além do cumprimento do princípio da transparência, o objetivo de tranquilizar os detentores de USD Coin quanto à situação e o controle que a Circle tem sobre ela.

O USDT, principal concorrente do USDC, vai bem durante a crise

Interessantemente, durante a tempestade que se abateu sobre as criptomoedas entre sexta e segunda-feira e chegou a derrubar a paridade entre USDC e o dólar, o Tether (USDT), criptomoeda que também foi criada para manter paridade com o dólar, não perdeu valor. 

O USDT possui a maior capitalização de mercado entre as stablecoins e vinha sendo alvo de críticas e suspeitas quanto às reservas que lhe servem de lastro. Ela não só não perdeu valor, mas, na verdade, chegou a ser negociada por 1,1 dólar. 

Isso provavelmente se deve a não ter nenhuma exposição ao Silicon Valley Bank, fato que foi salientado em uma postagem no Twitter por Paolo Ardoino, diretor de tecnologia da Tether.

No campo das críticas e dúvidas que o Tether teve levantadas contra si, pode-se lembrar, por exemplo, que, em agosto do ano passado, o prestigioso Wall Street Journal publicou um artigo em que afirmava que as reservas do Tether eram inadequadas.

A declaração foi, à época, contestado no blog da criptomoeda, que alegou que o jornal usara informações inexatas e partira de suposições infundadas, como as que fez sobre a segurança do investimento em títulos do governo americano em que estão investidas boa parte das reservas da criptomoeda.

Em março deste ano, o Wall Street Journal voltou à carga, afirmando que o Tether estava à margem da regulação e que empresas apoiadoras da criptomoeda fizeram uso de documentos falsos para obter acesso ao sistema bancário.

Mesmo com polêmicas, Tether cresce

Como destacou o site especializado em notícias sobre criptomoedas The Cryptonomist, a participação do Tether na capitalização total de mercado das stablecoins vem aumentando enquanto caem as de moedas como USDC e Binance USD (BUSD). 

A capitalização de mercado desta última, que se encontra sob ofensiva do equivalente americano da Comissão de Valores Mobiliários, ficou no começo de março, pela primeira vez em cerca de dois anos, abaixo de US$ 10 bilhões de dólares, menos da metade do que havia sido em seu auge, em 15 de novembro do ano passado, quando esteve pouco abaixo de US$ 23,5 bilhões de dólares.

Já o Tether, porém, tem aumentado sua capitalização de mercado, que já havia passado dos US$ 69 bilhões no começo de fevereiro e agora está acima de US$ 72 bilhões de dólares. Se o fortalecimento do Tether em relação às outras stablecoins é produto de sua força intrínseca ou apenas um produto de condições muito específicas que estão perto de mudar, só o tempo dirá.

Contudo, o Tether tem, apesar das dúvidas que pesam sobre suas reservas, resistido melhor às turbulências recentes do mercado de criptomoedas que seus principais rivais.  

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