Ex-conselheiro da Administração Biden diz que governo queria lançar dólar digital para combater as criptomoedas

Gabriel Gomes
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Antes de se tornar vice-diretor do Conselho Econômico Nacional sob o presidente Biden, Daleep Singh já havia ocupado cargos como funcionário sênior do banco central americano em Nova Iorque e secretário adjunto interino do Departamento do Tesouro. Em julho do ano passado, ele passou à iniciativa privada, tornando-se economista-chefe da PGIM, firma de gestão de ativos pertencente à empresa de seguros Prudential Financial.

No dia 28 de fevereiro de 2023, o ex-conselheiro econômico da Administração Biden compareceu diante do Comitê Bancário do Senado dos Estados Unidos, a cujos integrantes disse que o governo pensou em lançar um dólar digital. O ativo atuaria como forma de combater criptomoedas associadas a regimes hostis ao americano, como o da Rússia, por exemplo, liderada pelo presidente Vladimir Putin e alvo de um regime de sanções liberado pelo governo americano em virtude da invasão da Ucrânia pelo governo russo.

Ordem executiva de Biden determinará a criação do dólar digital

Em resposta a questões da senadora Warren sobre o uso de criptomoedas em ataques de hackers contra negócios americanos, Singh referiu-se em especial a uma ordem executiva assinada por Biden em março do ano passado.

Ordens executivas são diretrizes com que o presidente pode administrar e guiar o funcionamento do Executivo Federal. São mais ou menos o equivalente à medida provisória conhecida dos brasileiros, mas permanecem em vigor até que sejam revogadas pelo presidente ou um sucessor, a não ser que o Judiciário derrube-as.

Segundo Singh, a ordem executiva, que incentivava a regulamentação nos Estados Unidos dos ativos digitais, tinha como uma de suas finalidades levar o governo a lançar um dólar digital, que seria o que se chama de moeda digital de banco central (na sigla em inglês, CBDC), uma criptomoeda emitida por um governo em vez de uma rede de blockchain privada.

O dólar digital, na opinião exposta por Singh aos senadores estadunidenses, poderia ajudar a varrer do mercado as criptomoedas privadas usadas na violação de sanções comerciais (como aquelas de que o regime russo é alvo) ou colaboram para o uso de ransomware (programas maliciosos que sequestram arquivos, em troca da devolução dos quais os criminosos exigem resgate, ransom, em inglês).

Singh afirmou que, embora seja possível que as criptomoedas em questão sejam responsáveis por uma fração relativamente pequena da evasão bem-sucedida das sanções, nem sequer a transferência de um dólar que seja em violação às sanções deve ser tolerada. Para ele, o governo americano não pode permitir que criptomoedas continuem sendo usadas para o enriquecimento e fortalecimento dos adversários dos Estados Unidos.

Depois da assinatura da ordem executiva, o Departamento do Tesouro produziu um relatório sobre a ideia de emissão pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos, de uma CBDC. A conclusão do texto foi de que o governo federal deve continuar trabalhando para viabilizar tal empreitada enquanto avalia se a medida corresponde aos interesses do país.

Uma das vantagens do dólar digital, segundo o Office of Financial Research, braço do Departamento do Tesouro dedicado a pesquisas, sobretudo com relação à estabilidade do sistema financeiro, poderia ser a de servir como um alerta precoce a riscos de instabilidade econômica.

Brasil e outros países também trabalham em suas próprias moedas digitais de banco central

O Brasil é um dos países que trabalham na emissão de uma CBDC. O projeto do Banco Central do Brasil já está avançado, e um piloto da criptomoeda emitida por ele, chamada de real digital, deverá entrar em testes ainda neste mês.

Vale lembrar que, embora o regime chinês, sob a alegação de que elas enfraquecem a estabilidade da moeda, tenha reprimido a negociação de criptomoedas privadas — a ponto de ter proibido a mineração delas e banido as exchanges, o que levou a Binance a deixar o país —, ele está experimentando com sua própria CBDC, o yuan digital, que está sendo testado em algumas das províncias chinesas.

Para Yana Fanusie, líder de políticas do Crypto Council for Innovation (Conselho Cripto para inovação), a China lidera em desenvolvimento de criptomoedas do banco central, e os Estados Unidos ficaram para trás. Na opinião dele, o surgimento de sistemas financeiros alternativos reduziria a capacidade dos Estados Unidos de imporem sanções econômicas.

Há quem seja contra a criação de criptomoedas por parte dos bancos centrais

Sabe-se que a emissão por um banco central de uma moeda digital pode ter efeitos profundos tanto sobre o setor financeiro tradicional, como os bancos, quanto sobre o mercado cripto e seus atores. 

Entre os opositores da ideia de um dólar digital, estão grandes bancos americanos que afirmam que ele prejudicaria a estabilidade do sistema financeiro do país. Pelo menos um dos membros do conselho do Fed, instituição que seria a responsável pela moeda, opôs-se também ao propósito de uma CBDC americana. Trata-se de Christopher J. Waller, cujo mandato vai até 2030. 

Antes de ocupar seu atual cargo, ele já havia sido vice-presidente executivo e diretor de pesquisa do Federal Reserve Bank of St. Louis, um dos bancos regionais que compõem o FED. Na opinião de Waller, o setor cripto conseguirá corrigir seus problemas e partes dele devem ser encorajadas, desde que não ponham em risco a estabilidade do setor bancário. Ele aponta que a relativa separação entre os setores cripto e o bancário ajudou a preservar este do pior após os colapsos de empreendimentos daquele, como o da corretora FTX e o do ecossistema Terra de criptomoedas.

Waller, que foi nomeado para seu cargo atual pelo predecessor Biden, Donald Trump, afirma não enxergar grandes vantagens na criação de um dólar digital. Em sua opinião, em todos caso, não cabe aos membros do conselho do Fed, que não foram eleitos, decidir a questão. Por isso, diz, espera que o Congresso trate da questão e tome uma decisão com relação a ela.

Afirmando defender a inovação prudente no sistema financeiro, Waller afirma que se preocupa com o engajamento dos bancos em atividades, como aquelas relacionadas a criptoativos, que apresentam um “elevado risco de fraudes, golpes, incertezas legais e a predominância de apresentações financeiras enganosas”.

Órgãos do governo americano também demonstram preocupação acerca dos criptoativos

Ele não está sozinho em algumas de suas preocupações. Basta lembrar que, no começo de janeiro deste ano, o Fed e outros dois órgãos federais americanos, o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation, algo como Corporação Federal de Seguro Bancário, agência que garante os depósitos bancários até certo valor) e OCC (Office of the Comptroller of the Currency, algo como Escritório de Controle da Moeda, uma agência independente no interior do Departamento do Tesouro que supervisiona os bancos) emitiram uma nota conjunta de alerta.

Tal nota visava alertar os bancos a terem cuidado com relação à liquidez dos criptoativos que eles detêm. A liquidez é a capacidade que um ativo tem de ser vendido rapidamente sem que seu valor seja significativamente afetado por isso. Os criptoativos, embora possam gerar grandes lucros, em caso de expressivas valorizações, são bastante voláteis, ou seja, seus valores costumam oscilar fortemente.

Entre os fatores que podem levar a grandes e repentinas variações no valor dos criptoativos estão mudanças na demanda por eles e mudanças na regulação deles. Além disso, como não são, de ordinário, aceitos como meios de pagamento, pode ser difícil estimar o valor deles ou vendê-los rapidamente, o que significa que é relativamente difícil convertê-los, se necessário, em dinheiro.

As agências que emitiram o alerta conjunto disseram que continuarão observando a situação e emitirão, caso a situação exija, novos comunicados quanto ao envolvimento dos bancos com os criptoativos. É possível que os perigos (e benefícios) oferecidos pelos criptoativos exijam, além de mudanças regulatórias, que os bancos desenvolvam novas ferramentas de avaliação e administração de riscos.

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