Governo mantém SELIC em 13.75% e FED sobe juros para 5% – Qual o efeito no mercado cripto?

Gabriel Gomes
| 11 min read

Na última quarta-feira, dia 22 de março, o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, anunciou sua decisão de aumentar as taxas de juros em um quarto de ponto percentual, ou 25 pontos-base, para um intervalo-alvo de entre 4,75% e 5% anuais. Como o Fed, o Banco Central do Brasil (BC ou Bacen) também fez na quarta-feira um anúncio relativo à taxa de juros sob seu controle. 

Apesar das críticas do governo (especialmente do presidente Lula) e de empresários à alta taxa real de juros (taxa nominal menos inflação) brasileira, uma das mais elevadas do mundo, a instituição decidiu manter a Selic em 13,75% anuais. Como a inflação continua relativamente alta, o BC decidiu não ser o momento certo para um corte nos juros.

Mercado já previa o aumento dos juros nos EUA

A medida de elevação de juros nos EUA estava de acordo com as expectativas dos mercados de futuros do Fed que indicavam um aumento de um quarto de ponto nas taxas como o resultado mais provável.

Os mercados de futuros do Fed são mercados em que se negociam contratos de futuros baseados nas expectativas quanto ao curso de ação que o banco central tomará. Eles são importantes fontes de insight quanto ao que os atores do mercado pensam que o Fed fará. 

A ferramenta CME FedWatch Tool usa o comportamento dos preços do 30 Day Federal Funds futures (contratos que permitem que os participantes apostem quanto ao nível da taxa de juros e a direção de suas variações). Ela é utilizada para estabelecer as probabilidades de que o banco central tome determinado curso de ação. Antes do anúncio do Fed, ela apontava que havia 88% de chances de que houvesse um aumento de um quarto de ponto percentual.

A decisão de aumentar as taxas de juros pode indicar que o Fed manterá o aperto monetário com que se esforça para controlar a inflação, isso mesmo depois de terem acontecido nas duas últimas semanas duas das maiores falências bancárias da história dos Estados Unidos.

Essas falências foram, em parte, causadas pela escalada da taxa de juros, que afetou o valor dos títulos de longo prazo mantidos pelos bancos, resultando em falta de liquidez. 

Sequência de altas resulta em maiores taxas de juros nos EUA em mais de 15 anos

Convém lembrar que, há cerca de um ano, o Federal Reserve começou a elevar as taxas de juros, que estavam perto de zero, com o objetivo de controlar a alta dos preços. Ele embarcou em uma agressiva política de aumento dos juros, que alcançaram os níveis mais altos em 15 anos.

O Fed executou quatro aumentos consecutivos de 75 pontos básicos, seguidos por um aumento de 50 pontos básicos em dezembro do ano passado. Em janeiro, o banco central reduziu o ritmo de alta dos juros para 25 pontos-base, mas alertou que a inflação ainda não estava sob controle e que o caminho à frente seria “acidentado”.

Os recentes fechamentos do Silvergate Bank, que decidiu encerrar suas atividades, além do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, que sofreram intervenções dos reguladores, têm causado dúvidas quanto à saúde do setor bancário.

Contudo, o Fed interveio para acalmar a incerteza e evitar o contágio, oferecendo empréstimos aos bancos para ajudá-los a enfrentar possíveis problemas de liquidez. O Departamento do Tesouro dos EUA e a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC, agência federal responsável por segurar depósitos bancários até certo limite) também participaram desses esforços.

Impacto do aumento dos juros nos EUA sobre as criptomoedas

A decisão do Fed de aumentar as taxas de juros teve um impacto inicial positivo nos preços das criptomoedas, com o Bitcoin subindo 2,2% para US$ 28.800 dólares e o Ether passando de US$ 1.800 dólares imediatamente após o anúncio. 

No entanto, ambas as criptomoedas, as maiores em valorização de mercado, apresentaram forte volatilidade na meia hora que se seguiu ao anúncio, enquanto o mercado acionário permanecia estável. Quando este artigo começou a ser escrito no dia seguinte, o Bitcoin estava cotado a pouco mais de US$ 28.220 dólares enquanto o Ether estava pouco acima dos US$ 1.810 dólares.

Em comentários diante do Congresso americano, neste mês, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, já indicara que o Fed talvez precisasse levar as taxas de juros a patamares “mais elevados do que anteriormente previsto”, citando, em apoio a essa possibilidade, dados que indicam que a economia está mais aquecida do que se esperava. 

As recentes falências bancárias, no entanto, levaram a uma mudança nas expectativas quanto a futuros aumentos de juros pelo Fed, fato que Powell reconheceu em seus comentários de quarta-feira.

O discurso do presidente do Fed

Powell começou seu discurso abordando os recentes fechamentos de bancos, observando que eles podem resultar em condições de crédito mais rígidas para empresas e famílias. Ele alertou que ainda é muito cedo para dizer o quanto esses fechamentos, que podem ter efeito deflacionário, irão esfriar a economia. 

Como resultado, Powell disse que o Fed não pode mais ter certeza de que os aumentos contínuos das taxas serão apropriados para esfriar a inflação, mas, talvez, ainda precise se engajar em algum endurecimento adicional da política monetária para devolver a inflação à meta de 2% anuais.

Embora a inflação tenha continuamente mostrado sinais de declínio contínuo desde seu pico de 9,1% em junho passado, sua média anualizada em fevereiro foi de 6%, o que ainda é significativamente superior à meta de 2% ao ano. Como resultado, o Fed tem aumentado as taxas de juros para tornar os empréstimos mais caros para empresas e consumidores, esfriando assim a economia dos EUA.

Podemos resumir a situação deste modo: o Fed tem aumentado as taxas de juros para controlar a inflação, mas existe o risco de que cause uma recessão se a política monetária se tornar muito restritiva. 

Em um cenário de juros em alta, ativos de risco, inclusive ações de tecnologia e criptomoedas, tornam-se menos atraentes para os investidores que tendem a praticar o que se chama de “fuga para a segurança” e buscar ativos considerados menos arriscados, como títulos do governo americano.

Aumento de juros geralmente causa queda no preço das criptomoedas

Na verdade, a adoção de uma política monetária mais restritiva pelo Fed costuma ser apontada como uma das causas do inverno cripto do ano passado, que assistiu a fortes desvalorizações de criptomoedas como o Bitcoin, que, em 2022, perdeu quase 66% de seu valor em dólares. 

A recuperação que o mercado cripto tem experimentado neste ano está ligada, pelo menos em parte, a expectativas de que a política monetária seja afrouxada no futuro próximo. No ano, o Bitcoin acumula valorização de quase 70%.

O impacto da decisão do Fed sobre os ativos digitais ainda está para ser visto e provavelmente dependerá de vários outros fatores. Tão importante quanto os efeitos do aumento da taxa de juros sobre o crédito são as conclusões tiradas dela pelos participantes do mercado e as expectativas que passaram a nutrir. 

O Diretor de Pesquisa da William O’Neil + Co, Dean Kim, firma de pesquisa de investimentos, disse a Decrypt, site especializado no mundo dos criptoativos, que as indicações de que o Fed interromperá em breve a escalada dos juros, e até poderá cortá-las, é positiva para os ativos digitais. O reverso dessa medida, aponta, é que as criptomoedas podem perder valor se o Fed persistir em manter as taxas de juros altas e até elevá-las mais.

No entanto, cabe apontar que as reações dos ativos e mercados podem ser surpreendentes ou modificar-se radicalmente dependendo das ações dos diferentes atores e das percepções dos investidores.

Prova disso é que, a princípio, as criptomoedas reagiram bem logo após o anúncio de Powell. Talvez isso seja reflexo da falta de confiança que muitos estão nutrindo em relação ao governo americano. Afinal, a crise recente mostra que até grandes atores do sistema bancário não estão seguros.

Crise dos bancos parece ter reforçado confiança do público nas criptomoedas

A crise bancária atual, que teve suas primeiras manifestações ostensivas como a decisão do Silvergate de encerrar suas atividades devido ao mergulho de suas ações e se agravou com os fechamentos de Silicon Valley Bank e Signature Bank, chegaram a afetar negativamente o mercado de criptomoedas.

Logo na sequência, vimos uma interrupção da valorização dos ativos e fortes desvalorizações. Entre os motivos para isso, estava a imagem dos bancos em questão como pró-criptomoedas e as relações que mantinham com empresas que lidam com esses ativos.

Um exemplo dessas relações: Circle, empresa que emite a stablecoin USD Coin, tinha parte dos recursos usados como lastro de sua moeda digital no Silicon Valley Bank, o que levou ao rompimento da paridade dela com o dólar no final de semana que se seguiu à sexta-feira em que o banco foi fechado.

No entanto, a atuação dos reguladores do sistema financeiro, oferecendo apoio aos bancos e garantias aos depositantes das instituições que foram fechadas, impediu o contágio e ajudou a restabelecer a calma. Na segunda-feira, o USD Coin já havia recuperado a paridade com o dólar. 

Na verdade, o abalo do sistema bancário do jeito que se desenrolou até agora talvez até tenha acrescido atratividade aos criptoativos. Desde o fechamento do Silicon Valley Bank, em 10 de março, a cotação do Bitcoin em dólar subiu quase 40%. 

Alguns entusiastas das criptomoedas não têm contido o orgulho e não deixam de lembrar que, enquanto veículos de comunicação especializados em negócios como Forbes acusavam exchanges como a Binance de terem liquidez insuficiente, parte dos formadores de opinião chamavam as criptomoedas de fraudes.

Além disso, reguladores como a SEC, que supervisiona o mercado mobiliário americano, lançavam ofensivas contra empresas do setor cripto, o establishment, no entanto, ignorava os problemas que levariam importantes bancos a fecharem por apresentarem, justamente, liquidez insuficiente. Volta e meia, em sua conta no Twitter, Changpeng Zhao, CEO da Binance, volta ao tema.

Manutenção da Selic em 13,75% não deve ter grandes impactos

Apesar de ser de grande relevância para a economia brasileira, por manter o aperto do crédito disponível a empreendimentos e consumidores brasileiros e poder contribuir para o desaquecimento da economia, a decisão do Banco Central não deve ter grande impacto sobre as criptomoedas mais conhecidas.

No entanto, é digno de nota como parte de um padrão de comportamento dos bancos centrais das maiores economias, os quais, defrontados com taxas de inflação que não viam há muito tempo, têm relutado em aceder aos pedidos de redução da taxa de juros para estímulo da economia.

Em conclusão, a decisão do Federal Reserve de aumentar as taxas de juros em um quarto de um por cento reflete sua campanha para controlar a inflação, apesar das recentes turbulências no setor bancário. Embora o impacto dessa decisão sobre os ativos digitais ainda seja incerto, certamente muita atenção será dedicada à questão de como as ações do Fed impactam a economia em geral, os mercados financeiros e os criptoativos.

———————————————————–

LEIA MAIS:

Projeto piloto do Real Digital pode limitar os temidos riscos de desintermediação

Buscas por Bitcoin no Google disparam em meio a crise do sistema financeiro tradicional nos Estados Unidos

———————————————————–