Ministério Público Federal está elaborando roteiro para apreensão de criptomoedas

Gabriel Gomes
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Devido a suas características, as criptomoedas e outros ativos digitais oferecem interessantes oportunidades a investidores, negócios e consumidores. Mas também causam preocupações às autoridades, entre outros motivos, pelo potencial de abuso delas para a prática de crimes, como lavagem de dinheiro e fraude.

Quanto a fraudes, serve de exemplo o objeto de um alerta recentemente emitido pela Divisão de Denver do Federal Bureau of Investigation (FBI), segundo o qual idosos têm sido visados por fraudes disfarçadas de investimentos em criptoativos como Tether e USD Coin. Após receber os fundos dos investidores, o perpetrador desaparece, impondo perdas à vítima.

Com a importância e a atenção que os citados ativos já alcançaram, torna-se urgente que a máquina pública, em todas as instituições que a compõem, atualize e adapte as suas normas e os seus procedimentos para que possa lidar de forma eficaz e justa com as peculiaridades deles. 

Brasil faz esforços para regular as criptomoedas

Um grande passo neste caminho foi a sanção, em dezembro do ano passado, do Marco Regulatório dos Criptoativos, também conhecido como Lei das Criptomoedas, o qual entrará em vigor neste ano, após terem passado 180 dias de sua publicação no Diário Oficial da União. A peça legal é o produto de sete anos de discussões.

À época da sanção da Lei das Criptomoedas, ela foi classificada como um avanço que inseria o Brasil no seleto grupo de países com uma legislação específica para reger as criptomoedas. Acredita-se que a sanção do Marco Regulatório colaborou para que fossem acelerados os esforços do Ministério Público Federal para a definição de um conjunto de diretrizes de abrangência nacional que guie seus procuradores nas investigações de crimes ligados a criptomoedas das quais participem.

Ministério Público Federal também se movimenta para combater crimes relacionados a criptoativos

Em novembro do ano passado, foi criado o Grupo de Trabalho Criptoativos da Câmara Criminal do Ministério Público Federal. Composto por 10 procuradores e promotores, seu objetivo é identificar e sugerir práticas a serem adotadas na atuação do Ministério Público no combate dos crimes que envolvam criptoativos.

Mas agora em 3 de fevereiro, a Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República divulgou uma nota em que informa que o Grupo de Trabalho Criptoativos da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (2CCR/MPF) concluiu a elaboração de um texto chamado Criptoativos: Persecução Patrimonial, que deve servir de roteiro para atuação dos procuradores em investigações de crimes envolvendo criptoativos.

No primeiro dia do mês foram feitas reuniões para apresentação, detalhamento e discussão do documento e troca de pontos de vista sobre ele com representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Polícia Federal (PF), da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea/MPF), esta última é um órgão do Ministério Público Federal.

Os membros do Grupo de Trabalho enfatizaram a necessidade de que haja presteza e agilidade no estabelecimento de diretrizes de abrangência nacional com que as autoridades possam contar como referência para suas ações, esclarecendo as dúvidas que tenham quanto ao procedimento adequado, e da importância de que conhecimentos sobre o tema sejam difundidos pelas instituições, tarefa na qual estão prontos a colaborar.

O texto definitivo de Criptoativos: Persecução Patrimonial deverá, em breve, ser submetido à Câmara Criminal do Ministério Público, de cuja aprovação ele depende para ser adotado pelo Ministério Público Federal como referência.

A nota, que foi divulgada pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República, cita a opinião do procurador Alexandre Senra, Coordenador do Grupo de Trabalho Criptoativos, que acredita que o texto produzido é um passo essencial para que o Ministério Público Federal possa lidar adequadamente com uma situação, o uso de criptomoedas em práticas criminosas, que já se estabeleceu e ganhou enorme importância para a sociedade.

Na opinião de Senra e outros componentes do Grupo de Trabalho, este deve ser mantido, para que possa desempenhar um papel de suporte aos membros do Ministério Público Federal que estiverem atuando na investigação de crimes relacionados aos criptoativos, os quais devem ser informados de que contam como esse tipo de ajuda em suas atividades.

Outra avaliação citada na nota divulgada pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República é a de um dos Subprocuradores-Gerais da República, Carlos Frederico Santos, para quem o roteiro criado pelo Grupo de Trabalho fornecerá ao Ministério Público Federal melhores condições para efetuar a investigação e o processo penal em casos relativos a criptoativos.

Com o fim de registrar conhecimentos sobre os criptoativos e sua relação com o crime e facilitar a disseminação deles, a Câmara do Ministério Público Federal aprovou a elaboração de uma coletânea de artigos sobre o assunto.

Brasil já teve operação com apreensão milionária de criptoativos

Um exemplo de caso de grande repercussão em que o Ministério Público Federal e outras instituições, como a Polícia Federal, atuaram em conjunto para obter, entre outros resultados, a apreensão de criptoativos, aconteceu em 25 de agosto de 2021, dia em que foi lançada a Operação Kryptos: a Polícia Federal realizou a maior apreensão de criptomoedas de sua história, o equivalente a mais de R$ 150 milhões de reais.

No âmbito da Operação Kryptos foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão. Além disso, cinco pessoas foram presas, inclusive Glaidson Acácio dos Santos, dono de uma consultoria em Bitcoins acusado de liderar um esquema de pirâmide.

Segundo o Ministério Público Federal, Glaidson, apelidado de Faraó dos Bitcoins, movimentou, em seis anos, pelo menos R$ 38 bilhões de reais de fundos obtidos de vítimas, às quais prometia ganhos com investimentos em Bitcoin que poderiam chegar a 10% por mês. Porém, em vez de investir o dinheiro, ele usava os recursos dos aderentes mais recentes para remunerar os mais antigos, simulando a obtenção de lucros.

Faraó dos Bitcoins

Com base na fraude, segundo a acusação, Glaidson mantinha um estilo de vida luxuoso. Além dos criptoativos, foram apreendidos objetos de luxo, inclusive relógios e veículos, moeda estrangeira e R$ 19 milhões de reais em dinheiro vivo. Aproximadamente metade das movimentações de dinheiro, em valor, ocorreu nos 12 últimos meses de atuação do esquema antes da Operação Kryptos.

Glaidson, que continua preso, também é acusado, perante a Justiça Estadual do Estado do Rio de Janeiro, de ser o mentor do assassinato de um rival nos negócios e de ter planejado a eliminação de outros concorrente seus. Em janeiro deste ano, o canal de notícias Globo News divulgou áudios e vídeos em que o empresário discutia o assunto ou em que um elemento de seu grupo, tido como seu homem de confiança, detalhava os procedimentos de vigilância exercida sobre os adversários e as ideias para liquidá-los.

A operação Kryptos foi produzida por uma colaboração que envolveu o Ministério Público Federal, a Receita Federal, a Polícia Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional, o que levou à expedição dos mandados de busca e apreensão e de prisão pela 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

Mesmo na cadeia, Glaidson candidatou-se a deputado federal em 2022 pelo Estado do Rio de Janeiro na legenda da Democracia Cristã (DC) e recebeu 37 mil votos, quantidade suficiente para ser eleito se não tivesse tido a candidatura indeferida pela Justiça Eleitoral, embora não a tempo de permitir a retirada de sua foto a urna eletrônica.

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Justiça Federal denúncia de Glaidson dos Santos, sua esposa, Mirelis Zerpa, e outros 15 indivíduos por crimes que incluem organização criminosa e gestão fraudulenta de instituição financeira clandestina.

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