Moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) ameaçadas – Entenda o que está por trás disso
O setor de moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) está em rebuliço. Apenas três delas foram lançadas no mundo. Há 44 em fase-piloto. E alguns países não pretendem mais levar seus projetos adiante. Os dados são do Atlantic Council, que monitora esse mercado globalmente.
Começando pelas que já existem, há uma certa frustração no que diz respeito ao uso dessas moedas, aquém do esperado. Isso ocorre principalmente porque os consumidores estão presos a velhos hábitos e resistentes a mudanças.
- Nas Bahamas, a CBDC “The Sand Dollar” representa apenas 1% do dinheiro em circulação. Como resultado, estão sendo implementadas regulamentações que vão forçar os bancos locais a oferecer moedas digitais a seus clientes.
- Enquanto isso, na Nigéria, a adoção da CBDC eNaira associa-se à escassez de dinheiro que causou protestos nas principais cidades do país.
- Por fim, na Jamaica, o CEO do National Commercial Bank, única instituição financeira que oferece a CDBC JAM-DEX, afirmou que o uso da moeda digital é baixo e tem causado atrito em comparação com outros métodos.
Em países nos quais esse tipo de moeda ainda não está no mercado, alguns bancos centrais estão questionando se existe mesmo demanda dos consumidores para CBDCs de varejo. A Austrália e o Canadá, por exemplo, desistiram de lançar suas moedas digitais.
Paralelamente, nos Estados Unidos, o Federal Reserve (sistema de bancos centrais do país) ainda está discutindo se deve ou não criar o dólar digital. E, inclusive, o estado da Carolina do Norte já baniu a CBDC, antes mesmo de se saber se será lançada.
Esse cenário está levando reguladores e bancos centrais a darem alguns passos atrás, para avaliar melhor como estimular as pessoas a adotarem moedas fiduciárias em versões digitais. E, além disso, como evitar uma baixa adesão quando forem lançadas.
O que diz o FMI?
Estudo recente do Fundo Monetário Internacional expôs as falhas cometidas pelos países-pioneiros até então. Porém, reconheceu que não é fácil escalar CBDCs e, além disso, afirmou que esses ativos não são um fracasso.
Segundo o relatório, há muitos obstáculos para a adoção dessas moedas, como, por exemplo, falta de conhecimento e de confiança por parte das pessoas. A análise cita, ainda, barreiras como: preocupação com a proteção da privacidade, preferência por métodos já existentes e falta de incentivos apropriados para atrair intermediários.
Em suma, esses são os principais desafios que os bancos centrais estão enfrentando. A mídia não aborda frequentemente o tema das CBDCs, e muitos consumidores nem sabem que elas existem. Por outro lado, entre os que já ouviram falar dessa tecnologia, alguns se preocupam com alegações de que os governos vão xeretar suas transações.
No que diz respeito aos próprios bancos centrais, é fato que alguns não fizeram um bom trabalho no sentido de assegurar as pessoas de que as CBDCs podem melhores do que dinheiro ou cartão, e oferecem recursos que meios de pagamentos já estabelecidos não têm.
Por fim, as instituições financeiras também não estão felizes. Na verdade, algumas receiam que seus modelos de negócios desapareçam do dia para a noite.
O FMI argumentou, ainda, que os bancos centrais precisam melhorar a comunicação com todos os stakeholders sobre suas ambições para as CBDCs e o que isso pode significar para eles (seja consumidores, comerciantes ou bancos).
Acima de tudo, o FMI defendeu a importância da concepção das moedas digitais e de incentivos para que empresas e consumidores se interessem por isso. Isso poderia incluir, por exemplo, monetização de dados anônimos para comerciantes, bônus de inscrição e airdrops para o público, entre outras estratégias.
Qual o problema com a demanda?
No Banco Central Europeu, que está desenvolvendo o euro digital, pesquisadores argumentaram que os legisladores não dedicaram tempo suficiente para refletir sobre o impacto da chegada das CBDCs sobre os consumidores.
Em relatório sobre o tema, eles afirmaram que a introdução de um novo meio de pagamento apresenta um custo inerente para os consumidores. E que não se trata apenas de custo financeiro, mas também de esforço, tempo e ajustes necessários para que os consumidores se adaptem à inovação.
De acordo com eles, as chances de sucesso do euro digital aumentariam se ele fosse customizado em torno das necessidades dos compradores cotidianos. E viesse junto com uma campanha informativa que deixasse bem claros os benefícios desse novo ativo.
Nesse sentido, se poderia destacar, por exemplo, as principais vantagens dos cartões (como facilidade de uso e agilidade nas transações) associadas aos benefícios do dinheiro (como monitoramento de despesas e proteção da privacidade).
Outra pesquisa, da Positive Money Europe, afirmou que o Banco Central Europeu está dando ouvidos ao lobby dos bancos e apoiando os interesses deles durante a concepção do euro digital. O que estaria, no fim das contas, minando os atrativos das CBDCs para as pessoas, em um momento em que esses atrativos são extremamente necessários.
O estudo também argumentou que um crescente número de comerciantes se recusando a aceitar dinheiro significa que os consumidores estão perdendo opções de meios de pagamento que garantam anonimato. E que, enquanto isso, as taxas cobradas por Mastercard e Vista continuam a subir, com muitos negócios repassando essas despesas para os compradores.
O que vem pela frente?
Várias nações estão de olho nas Bahamas, na Jamaica e na Nigéria para tentar aprender com os erros desses pioneiros.
Por outro lado, é interessante observar que alguns projetos-piloto de CBDCs têm caminhado lenta e metodicamente. É o caso da China. Testes ocorrem há anos, com esse ativo digital sendo gradualmente implantado em novas cidades. Paralelamente, esses experimentos são associados a usos específicos, concentrados em taxas de inscrição, transporte público e impostos.
Com muitos desafios ainda pela frente, os próximos dois anos serão decisivos para saber se a CBDC vai se tornar um pilar das finanças no século 21. Do jeito que as coisas vão, grandes economias podem acabar concluindo que simplesmente não vale o esforço.
E o Brasil nisso tudo?
O país está desenvolvendo o real digital (Drex), CBDC que entrou em sua segunda fase de testes. Muitos dos projetos que passarão pelos testes procuram aperfeiçoar o mercado de empréstimos.
Outra abordagem explora transações com ativos do agronegócio, que tornaria a compra e venda de produtos agrícolas mais segura e eficiente. Existe, ainda, uma proposta para testar transações com imóveis na blockchain. Soluções envolvendo créditos de descarbonização também estão na pauta, além de outros temas.
Inicialmente previsto para 2024, o lançamento do real digital ficou para 2025 e, agora, a perspectiva é de que isso só aconteça em 2026. Os maiores desafios, no momento, dizem respeito à questão da privacidade das transações na blockchain e à adequação à legislação.