Javier Milei eleito – O que esperar do novo presidente argentino?

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Casa Rosada

Ultraliberal, anarco capitalista, libertário radical, populista de extrema-direita… Muitos foram os rótulos recebidos por Javier Milei ao longo da campanha presidencial argentina. No entanto, as tentativas de classificá-lo não devem cessar mesmo após a confirmação de sua vitória no segundo turno das eleições, realizado no último domingo (19/11).

O líder da coalizão A Liberdade Avança derrotou o candidato governista, Sergio Massa, com uma vantagem expressiva: 56% contra 44%. Além disso, venceu em 20 das 23 províncias argentinas. A diferença foi surpreendente em uma disputa que parecia apertada segundo as pesquisas.

O novo presidente assumirá um mandato de quatro anos no dia 10 de dezembro. Até lá, eleitores e opositores, líderes da região, investidores e empresários, todos estarão ocupados tentando prever o que virá depois do governo mal-avaliado de Alberto Fernández.

As propostas polêmicas de Javier Milei


Javier Milei foi eleito em um contexto de extremo desgaste das forças políticas tradicionais. Afinal, a inflação ultrapassou 140% ao ano com o atual presidente, o peronista Alberto Fernández. Ao longo dos últimos anos, a população empobreceu e o câmbio se desvalorizou enormemente.

Por outro lado, a oposição mais tradicional de direita, representada nesta eleição pela candidata Patricia Bullrich, não conseguiu desvincular sua imagem de fracassos anteriores. Seu correligionário Mauricio Macri antecedeu Fernández e contribuiu para uma crise econômica que se estende há muitos anos.

Nesse contexto, Milei surgiu como uma novidade. Crítico da classe política, colocou-se como um outsider capaz de resolver questões complexas com soluções teoricamente simples e certamente ousadas. Conheça algumas das principais propostas do novo presidente argentino:

  • Dolarização da economia

    Um dos motes mais polêmicos da campanha de Milei foi a substituição do peso argentino pelo dólar norte-americano como moeda do país. Essa proposta foi bem aceita por muitos eleitores em um país já altamente dolarizado devido à convivência com a inflação.

  • Extinção do Banco Central

    Esta seria uma consequência direta da dolarização. Afinal, sem emitir a própria moeda, a Argentina perderia a soberania sobre sua política monetária. Para Milei e seus seguidores, isso seria positivo, devido à sua visão negativa sobre a atuação do Banco Central da República Argentina (BCRA).

  • Saída do Mercosul

    Milei sempre foi crítico do Mercado Comum do Sul (Mercosul), sob a alegação de que o bloco econômico contraria os interesses argentinos. Portanto, advogou pela saída do país da organização. O objetivo alegado seria fechar acordos mais benéficos negociando diretamente com outros países.

  • Rompimento com a China

    Outro alvo de Milei durante a campanha foi a China, principal parceiro econômico dos argentinos depois do Brasil. Em diversos momentos, ele sugeriu que romperia as relações comerciais com o país. A posição faz parte de seu discurso contrário aos regimes socialistas.

  • Privatização das estatais

    Essa talvez não seja uma posição tão polêmica, uma vez que é defendido também por políticos de direita mais moderados. No entanto, chamam a atenção alvos a YPF e a Enarsa, estatais de petróleo e gás, além de meios públicos de comunicação.

Propostas genéricas para a economia argentina


Milei também apresentou propostas mais genéricas para a economia argentina. Exemplos disso são a flexibilização de leis trabalhistas, o fim dos subsídios a empresas e o enxugamento do estado.

No entanto, em muitos desses casos, tratou de amenizar as propostas quando questionado sobre a real intenção de levá-las adiante. Por isso, é difícil saber se irá testá-las ao limite.

Além das polêmicas na área econômica, o agora presidente eleito acumulou polêmicas com ambições declaradas em outras áreas. Por exemplo, ele propôs o fim da educação e saúde públicas e a desregulamentação do mercado de armas de fogo. Também pretende alterar a legislação que permite a prático do aborto.

Expectativas e realidade na área econômica


Apesar de propor soluções radicais para os problemas da economia argentina, é difícil prever até onde Milei realmente levará suas ideias adiante. Afinal, ele terá que enfrentar pelo menos dois problemas: base frágil no Congresso e complexidade de aplicação.

A coligação de Milei, A Liberdade Avança, terá somente 38 deputados no Congresso da Nação Argentina. Isso equivale a 15% dos 257 assentos. A coalizão Juntos pela Mudança, que apoiou Milei no segundo turno, elegeu 93 deputados. No entanto, muitos deles são de centro-esquerda e farão oposição ao governo.

No melhor cenário, o jornal argentino Clarín estima que a bancada argentina possa chegar a 90 parlamentares. Enquanto isso, a coalizão do governo atual, deverá manter 108 assentos, enquanto haverá mais de 50 outros deputados somando uma terceira força.

Expectativas e realidade na área econômica


Mas não são apenas as condições políticas que têm potencial de refrear o ímpeto de Milei. Suas principais propostas na área econômica são consideradas difíceis de serem colocadas em prática.

Uma eventual dolarização da economia, como a ocorrida no Equador anos atrás, não teria viabilidade em um cenário de escassez de reservas nessa moeda. O país precisaria ter suporte da Casa da Moeda dos EUA para importar dólares. Além disso, os setores de exportação e turismo seriam impactados pela medida.

Peso argentino

Outro ponto importante é a dependência que o país teria da política monetária norte-americana. Afinal, não poderia usar os juros como ferramenta de controle da inflação e da atividade econômica — as decisões viriam do Fed. Portanto, fechar o Banco Central parece uma ideia irrealizável em um primeiro momento.

O mesmo pode ser dito das promessas de rompimento com o Mercosul e com a China. Afinal, estamos falando simplesmente dos dois principais parceiros comerciais argentinos. Mesmo que propostas nesse sentido passassem no Congresso, poderiam trazer consequências graves para a exportação do país — com impactos sobre a renda e o emprego. Além disso, a China é uma importante fonte de investimentos.

Por fim, cabe destacar um terceiro fator que pode tumultuar o próximo governo: a mobilização social. Muitas de suas propostas afetam diretamente trabalhadores e setores importantes da economia. A tradição de protestos sempre esteve presente na Argentina. Além disso, Milei não foi o mais votado na Província de Buenos Aires, onde fica a sede do governo. Ou seja, pode sofrer uma oposição forte das ruas desde os primeiros dias.

As reações à eleição de Milei


Os meios de comunicação de diversos países abordaram a eleição de Milei. As comparações com outros líderes também são inevitáveis. O New York Times, por exemplo, lembrou do ex-presidente dos EUA Donald Trump em sua chamada.

O Le Monde, da França, destacou as felicitações que o novo presidente recebeu de Trump — e também do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No jornal The Guardian, do Reino Unido, a eleição de Milei foi tratada como uma vitória para a extrema-direita mundial.

Já o The Wall Street Journal, mais alinhado ao mercado financeiro, descreveu o resultado como uma reação à forte inflação argentina.

Além disso, outros jornais apontaram para a incógnita que se tornou o futuro do país com Milei à frente. No jornal argentino La Nación, o articulista Luciano Román considerou o triunfo do candidato a “irrupção do desconhecido”.

“A sociedade pendeu para um reset profundo, mas a interpretação dessa mensagem, as ferramentas com que ela é executada e as prioridades estabelecidas irão selar o destino desta jornada para algo diferente.”

O jornal El Mundo, da Espanha, reforçou esse ponto ao afirmar que a Argentina acaba de se lançar em um “experimento político sem precedentes”.

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