Com tokenização, investimentos e financiamento chegam ao campo e passam a incluir o pequeno produtor

Pedro Augusto
| 7 min read
Com tokenização, investimentos e financiamento chegam ao campo e passam a incluir o pequeno produtor
Imagem: @_notWillyWonka

O agronegócio, com sua participação crescente no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, vem se destacando como uma opção de investimento atrativa para perfis variados, desde o varejo até investidores institucionais.

Além das opções oficiais, a necessidade de financiamento faz com que o mercado de capitais se torne uma fonte importante de recursos para os produtores rurais.

Contudo, a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no país, ainda encontra limitações no acesso ao mercado de capitais.

Para alterar essa realidade e atrair investidores para esse segmento, produtos de investimento inovadores estão sendo introduzidos no mercado.

Tokenização reduz custos e aumenta a acessibilidade


Essa tendência vem pelo avanço da tecnologia blockchain, que facilita a tokenização de ativos reais, reduzindo custos e tornando-os mais acessíveis aos investidores.

A tokenização é o processo de converter ativos reais, como uma safra de milho, em ativos digitais, que podem ser fracionados e negociados individualmente ou em conjunto, conforme a estratégia do investidor.

No mercado tradicional, os investidores já contam com opções como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) e as ações de empresas listadas em bolsa.

Com o aumento da importância do setor na economia brasileira, também cresceu a emissão desses produtos de investimento.

Tecnologia blockchain na tokenização desses ativos

Através da tecnologia blockchain, já estão disponíveis para investidores e produtores rurais tokens lastreados na produção agropecuária.

Estes incluem tokens de CPRs (Cédulas do Produto Rural), CCBs (Cédulas de Crédito Bancário) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) tokenizados. Estes proporcionam capitalização e transações no ecossistema cripto.

A tecnologia blockchain, essencial na formação de criptomoedas e contratos inteligentes, ou smart contracts, facilita a criação, registro e negociação de tokens, que são frações digitais de ativos.

Ela oferece segurança, pois impede a adulteração dos dados, reduz custos ao eliminar intermediários presentes nos processos tradicionais, e garante previsibilidade, já que, com os contratos inteligentes, todas as condições são cumpridas automaticamente.

Daniel Coquieri, presidente da Liqi, uma das principais plataformas de tokenização do Brasil, enfatiza: “Tokenização é apenas um instrumento, um veículo de investimento”. Ele, assim como outros especialistas do setor, destaca que “para o investidor, o importante é o risco e o retorno, e não a tecnologia em si”.

Importância da atuação das empresas na tokenização do setor

A Liqi já tokenizou mais de R$ 100 milhões em crédito privado em diversos setores, incluindo o agronegócio, atraindo mais de 9 mil investidores pessoas físicas que adquiriram pelo menos um token em sua plataforma. Apesar de representar uma pequena parcela do mercado total, a empresa reconhece que essa é uma ferramenta em rápida expansão.

No agronegócio, a Liqi foi responsável pela emissão e transação de tokens de 82 emissões da Nagro, uma fintech focada em crédito para pequenos produtores rurais. Os investidores têm a liberdade de comprar a quantidade de tokens que desejarem, de acordo com suas estratégias de investimento.

Em 2021, a Liqi também realizou a tokenização de CPR em um projeto de financiamento do Grupo Gaia para a produção da Raiar Orgânicos. Através da emissão de 54 mil tokens “IRO1”, a empresa captou R$ 1,4 milhão, oferecendo um retorno de 0,67% ao mês aos investidores.

O projeto foi parte de um “investimento de impacto”, que busca rentabilidade atrelada à geração de impactos sociais e ambientais positivos.

Tokens possuem isenção de até R$ 35 mil mensal no imposto de renda

Classificados como criptoativos, as transações com tokens na plataforma são isentas de Imposto de Renda até um limite mensal de R$ 35 mil.

No entanto, como todo investimento em renda variável, eles não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) em casos de inadimplência dos emissores. Para alguns ativos, especialmente os de renda fixa, há cobertura do FGC até R$ 250 mil por CPF em cada instituição financeira.

Agrotoken e o setor de commodities tokenizadas


A Agrotoken, fundada na Argentina em 2021, tem se destacado no setor de tokenização de commodities agrícolas, transformando-as em ativos digitais.

Atualmente, a empresa concentra 90% de suas operações no Brasil. Além disso, um estudo do Federal Reserve dos Estados Unidos a reconheceu como um dos principais casos de tokenização de ativos reais.

A plataforma emite tokens que representam uma tonelada da commodity de referência, como milho (CORA), soja (SOYA) e trigo (WHEA). Em breve, a Agrotoken pretende expandir sua gama de ativos digitais para incluir etanol, açúcar e café, conforme mencionado por Ariel Scaliter, cofundador e gerente de tecnologia da empresa.

Eles têm como meta tokenizar mais de 1 milhão de toneladas no Brasil durante a safra 2023/24.

Tokens da empresa são apenas moedas digitais

Os tokens da Agrotoken são utilizados não como investimentos, mas como moeda digital para pagamentos e aquisição de bens pelos produtores rurais. Em suma, ela funciona como uma stablecoin — criptomoedas atreladas a um ativo real.

A empresa garante que os agrotokens são totalmente lastreados por ativos físicos e indexados a índices de mercado confiáveis. Alguns deles são o Esalq, Cepea/B3, Argus, Platts e Safras e Mercados, oferecendo um valor atualizado em tempo real na plataforma. Essa abordagem também torna o token estável e confiável.

Essa estrutura de lastro e indexação é uma estratégia para reduzir os riscos associados às flutuações dos mercados internacionais de commodities.

Conheça o Agrotoken Visa

Desde janeiro do ano passado, a Visa emite no Brasil o cartão de crédito internacional Agrotoken Visa, que utiliza os tokens convertidos em reais e é aceito em todos os estabelecimentos credenciados à bandeira.

Cristiane Ferreira, diretora Executiva de Inovação da Visa do Brasil, destaca que essa parceria atende tanto aos interesses da Visa, sempre em busca de novas formas de pagamentos, quanto às necessidades dos agricultores brasileiros, que enfrentam desafios e burocracias para obter crédito relacionado à plantação e colheita.

A tokenização não é uma abordagem sem lei e conta com fiscalização da CVM


O avanço dos investimentos tokenizados no Brasil tem sido impulsionado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em 2021, a CVM estabeleceu o sandbox regulatório, um ambiente de testes onde gestoras e outros agentes do mercado podem submeter suas propostas de produtos.

Após a aprovação, eles recebem autorizações temporárias para atuação no mercado, permanecendo sob a supervisão do órgão regulador.

A Vórtx QR Tokenizadora, uma joint venture entre os grupos Vórtx e QR Capital, destaca-se como a primeira plataforma brasileira regulada para negociação de valores mobiliários tokenizados.

Nos próximos meses, ela planeja lançar CRAs tokenizados, inicialmente disponíveis apenas para investidores profissionais e qualificados, em linha com a regulamentação vigente.

Fernando Carvalho, presidente da Vortx QR Tokenizadora, destaca que a tokenização surge como uma alternativa para criar mercados de negociação alternativos, cujo crescimento depende da adesão dos participantes de mercado.

Ele enfatiza que o mercado de tokenização de valor imobiliário está em fase de teste dentro do sandbox regulatório da CVM. Prevê-se que em aproximadamente dois anos, essas opções cheguem ao investidor de varejo, dependendo da evolução regulatória.

Tokenização seria benéfico até para divisão de terras e processo de plantio

João Paulo Pereira, especialista em Inovação e Tecnologia aplicada aos Serviços Financeiros da Microsoft, avalia que a tokenização de ativos agrícolas também tem potencial para promover maior inclusão financeira.

Isso seria particularmente benéfico para pequenos agricultores e comunidades quilombolas, possibilitando a tokenização de frações de terra ou etapas específicas do processo de plantio.

Por fim, essa abordagem oferece acesso a diferentes tipos de créditos para cada fase da produção, desbloqueando valor no mercado e promovendo a inclusão financeira.

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