O que falta para a implementação em massa da tecnologia blockchain no serviço público

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O que falta para a implementação em massa da tecnologia blockchain no serviço público
Imagem – Unsplash

Uma pesquisa divulgada recentemente apontou que a adoção da tecnologia blockchain tem efeitos positivos em performance operacional e administrativa no serviço público. Os pesquisadores analisaram 167 projetos baseados em blockchain no serviço público. Então, a partir de um estudo de caso, identificaram os efeitos dessa tecnologia em funções essenciais do governo.

Apesar da influência positiva detectada no estudo, falta muito para que a blockchain seja uma realidade em grande escala nos serviços públicos. Portanto, o que vemos até agora são estudos baseados na análise de iniciativas bem específicas, que não refletem o quadro geral do setor público.

A pesquisa foi divulgada este mês pelo portal ScienceDirect. O estudo é intitulado “Como tecnologias emergentes podem resolver questões críticas em operações organizacionais: uma análise de projetos baseados em blockchain no setor público”.

Aliás, a pesquisa feita por doutorandos da Université Côte d’Azur (da França) conta com a participação de um brasileiro. Maciel Queiroz é pesquisador da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O que ainda falta


A pesquisa da Université Côte d’Azur mostra inúmeras contribuições da blockchain para os vários setores e atividades do serviço público. Dentre as mais cruciais estão a capacidade de promover uma governança transparente, centrada no cidadão e uma abordagem descentralizada para o desenvolvimento.

Além disso, a blockchain ajuda na eficiência administrativa. Por exemplo, leva a uma redução de custos e a uma melhora na gestão de recursos. Também promove a qualidade dos processos, comunicação e colaboração. Por fim, reduz os riscos de corrupção, o que ajuda na promoção da justiça e igualdade.

No entanto, os pesquisadores ressaltam que ainda existem desafios para a implementação da tecnologia blockchain no serviço público. As principais são a integração com sistemas já existentes, o treinamento de funcionários e as questões regulatórias.

A primeira parte é especialmente crítica. Afinal, estamos falando de uma tecnologia nova e que exige mudanças significativas em diferentes aspectos. Os sistemas atuais de informação são muito diferentes daqueles que suportariam a blockchain. Aliás, a comunicação com serviços privados e o acesso ao público em geral também devem pesar nessa equação.

Planejar e executar essa transição também depende de funcionários qualificados para tal. E essa é outra lacuna clara, uma vez que os profissionais que atuam no setor público não têm, atualmente, o nível de conhecimento necessário para tal. Aliás, essa não é nem mesmo a realidade do setor privado fora de algumas áreas específicas, já com um uso tradicionalmente marcante de tecnologia de ponta.

A questão regulatória parece ser a mais simples, olhando para esse cenário de desafios de médio e longo prazo. Ainda assim, depende de uma visão clara do futuro da tecnologia de blockchain e de como ela pode influenciar os diferentes serviços. Afinal, há sempre o risco de um desenho regulatório feito hoje se tornar obsoleto em poucos anos, devido ao ritmo de inovação dessa indústria.

Tecnologia blockchain leva a transformações radicais nos serviços públicos


O que falta para a implementação em massa da tecnologia blockchain no serviço público

Segundo os pesquisadores, a tecnologia blockchain surgiu como uma ferramenta importante em todos os setores. No entanto, mesmo que o setor público tenha testemunhado essas primeiras implementações, a tecnologia ainda demorou para se difundir nele.

Além disso, eles lembram que estudos anteriores já haviam apontado para a implementação da tecnologia blockchain como uma poderosa alavanca no setor público. Afinal, ela se mostra eficaz na transformação de processos e procedimentos governamentais. Também melhora a gestão de benefícios e as políticas públicas.

A pesquisa da Université Côte d’Azur analisou uma amostra de 167 projetos orientados para blockchain no setor público. Também explorou a extensão dos efeitos dessa tecnologia nas funções fundamentais de governança pública. Por fim, analisou o que diz a literatura sobre tecnologia da informação e gestão estratégica em relação a essa questão.

Segundo os autores, o estudo mostra “evidências concretas” de como a tecnologia blockchain pode melhorar diversas funções centrais do governo. Afinal, ela traz benefícios em governança do serviço público, eficiência administrativa e capacidades governamentais abertas. Além disso, estimula a inovação de processos em serviços públicos e a melhoria do desempenho operacional e administrativo.

Por fim, eles afirmam que os resultados da pesquisa ampliam a perspectiva sobre o uso da blockchain no setor público. Afinal, o estudo ajuda a enriquecer a literatura sobre o assunto, trazendo novas ideias para os formuladores de políticas.

Quarta revolução industrial e a importância das tecnologias


Vivendo a chamada quarta revolução industrial (Indústria 4.0), as companhias passaram a adotar em larga escala as novas tecnologias. Aliás, as Tecnologias de Razão Distribuída (DLT, na sigla em inglês) estão entre as mais transformadoras dessa nova era. Entre elas, a tecnologia blockchain é uma das mais difundidas e importantes.

Segundo fontes citadas no estudo, em 2027, 10% do PIB global estará armazenado em blockchain. Além disso, o tamanho de mercado dessa indústria em 2026 pode chegar a US$67.4 bilhões. També, se espera que ela cresça a uma taxa composta anual de 85,9% entre 2022 e 2030.

Além das ótimas oportunidades para os negócios (transparência, privacidade, segurança, controle de risco, entre outras), essas melhorias da tecnologia blockchain também se alinham com os objetivos dos governos. Afinal, eles também buscam otimizar os serviços, administração e governança públicas.

Portanto, não é por nada que o interesse dos governos vem crescendo em relação à blockchain. Isso ocorre por meio de diversos fundos nacionais e internacionais, projetos de pesquisa, políticas e programas. É o caso do European Union blockchain observatory & forum, research programs FP7 and Horizon 2021-2027 (Observatório e fórum de blockchain da União Europeia, programas de pesquisa FP7 e Horizonte 2021-2027).

Uma área de estudo a ser mais explorada


No entanto, segundo os pesquisadores, muitos dos projetos blockchain no setor público ainda estão em fases de teste ou implementação. Portanto, é importante que existam mais pesquisas sobre a interação entre blockchain e o setor público. Também se esperam mais estudos de síntese sobre os efeitos e o valor da utilização da blockchain nas administrações públicas.

Além disso, os autores argumentam que é preciso uma estratégia exploratória com base em estudo de caso. Essa estratégia visaria sintetizar e destacar até onde a tecnologia blockchain é usada para ajudar nas funções e nos serviços do setor público.

Portanto, o estudo tem como objetivo inicial responder duas perguntas. A primeira é: quais os efeitos do uso do blockchain para melhorar as funções essenciais do setor público? A segunda é: quais as principais configurações dos projetos de transformação baseados em blockchain que afetam fortemente as principais funções do setor público?

As respostas foram tiradas das análise dos 167 casos de projetos voltados à tecnologia no setor público. Esses casos estão no mapeamento de projetos de transformação do setor público habilitados para blockchain do Observatório de Serviços Públicos Inovadores (IPSO). O IPSO é coordenado pela Comissão Europeia e Centro Comum de Investigação (JRC).

Por fim, os pesquisadores explicam que fizeram uma análise exploratória daqueles casos, para responder à primeira questão. Por outro lado, as respostas à segunda questão se baseiam numa abordagem fsQCA. Esse método é útil para pesquisas em que há limitações no número de casos e amostras, avaliando o grau de influência de cada variável. Além disso, também ajuda a ver como essas variáveis, combinadas, influenciam no resultado alcançado.

Resultados mostram melhorias da tecnologia blockchain para o setor público


Segundo o estudo, os resultados da pesquisa mostram que a tecnologia blockchain se estabelece com cinco tarefas de tomada de decisão de alto nível. A implementação ocorre com processos e ferramentas básicas.

Além disso, os processos críticos do serviço público beneficiados pela blockchain são:

  1. Aplicação
  2. Análise, monitoração e investigação regulamentar
  3. Adjudicação
  4. Serviços públicos e envolvimento
  5. Gestão interna

Aliás, esses processos-chaves estão relacionados às funções críticas do governo. Por exemplo, incluem serviços públicos gerais, assuntos económicos, educação, saúde, proteção social, proteção ambiental, ordem e segurança pública, habitação e assim por diante.

O estudo mostra diversos projetos de transformação orientados por blockchain que ajudam o setor público a melhorar processos e procedimentos. Entre eles:

  • Processos de certificação e validação
  • Gerenciamento de compartilhamento de dados
  • Processos de registro e notarização de dados

Além disso, entre os subsetores com mais projetos de tecnologia blockchain está o de transportes. Os principais efeitos de seu uso incluem o aumento da transparência das operações, maior qualidade das informações e dos serviços, ganho de eficiência e economia.

Entre os setores-chaves do governo, a saúde é onde a blockchain já tem o maior número de aplicações. Além disso, nessa função a tecnologia tem muitos tipos de efeitos. Entre eles: responsividade das operações, melhoria na administração de recursos, melhoria na qualidade dos processos e sistemas, melhor qualidade do serviço e informação e aumento da transparência.

Por fim, dentre os 20 projetos na área da educação, a tecnologia blockchain é usada para duas aplicações principais. Os processos de certificação e validação, e a autenticação de serviços de identificação digital são soberanos.

Além disso, os efeitos do blockchain nesse caso são uma transparência maior das operações, serviços públicos centrados nos cidadãos, maior qualidade de informações e maior responsividade e eficiência.

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