Entenda a crise sucessória na Vale, uma das maiores mineradoras do mundo

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Entenda a crise sucessória na Vale, uma das maiores mineradoras do mundo
Foto: Agência Brasil

Desde o início do ano, o processo de sucessão da presidência da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, vem se acirrando. As disputas com o governo levaram a demoras e indefinições, que alimentaram a cautela dos investidores — refletindo no preço das ações.

O mandato do atual CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo, deveria acabar em maio deste ano. E isso vem causando uma disputa inflamada entre os acionistas da mineradora desde o início de 2024. Aliás, o embate coloca em lados opostos, atualmente, o presidente Lula e a maioria do conselho da empresa.

Governo queria Guido Mantega como CEO da Vale


A Vale se tornou uma corporação com capital pulverizado e sem controle definido em 2020. De lá para cá, dois novos elementos entraram na correlação de forças da empresa: a Cosan, gigante do açúcar e etanol, tornou-se acionista, e o PT voltou ao governo. Aliás, embora o governo não tenha mais a influência direta que exercia sobre o conselho da Vale, ainda mantém algum poder indireto.

Por isso, segundo informações de bastidores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, desde o início do seu mandato, tentou colocar Guido Mantega na presidência da mineradora. Em janeiro deste ano, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, teria ligado para representantes de acionistas da Vale, pedindo pela aprovação do nome do ex-ministro como CEO.

Ainda em janeiro, Lula desistiu de emplacar o ex-ministro Guido Mantega na presidência da Vale. Mas seguiu pressionando para que o conselho escolhesse um novo nome e não renovasse o mandato do CEO atual.

Em resumo, o governo Lula não concorda com a manutenção de Eduardo Bartolomeu, que assumiu a Vale após a demissão de Fábio Schvartsman, no rastro da tragédia de Brumadinho (MG).

Poder de influência do governo não é mais o mesmo


Aliás, a tragédia completou cinco anos em 25 de janeiro, bem em meio às tentativas do governo de emplacar Mantega na presidência da mineradora. Portanto, o presidente Lula aproveitou a ocasião para criticar a Vale. Em postagem nas redes sociais, ele afirmou que a empresa “nada fez” para reparar a destruição causada em Brumadinho (MG).

Desde a reestruturação da Vale, no final de 2020, o governo perdeu o poder de influência direta na empresa. O governo mantinha esse poder por meio de dois acionistas principais: o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e a Caixa de Previdência de Funcionários do Banco do Brasil (Previ). No entanto, desde 2020, o BNDES zerou sua participação na Vale. Além disso, a Previ diminuiu bastante a sua fatia.

Ainda assim, o governo segue com alguma influência no conselho. Não só por meio da Previ, mas também porque não é interessante para uma mineradora entrar em conflito com a gestão federal. Afinal, minas e ferrovias são concessões da União, e é preciso manter uma boa relação com ela.

Portanto, mesmo após retirar o nome de Mantega da jogada, o presidente Lula seguiu pressionando pela troca do CEO. Em meio a tudo isso, na primeira semana de março, o conselho de gestão da Vale tomou uma decisão que empurrou esse jogo para a prorrogação.

O conselho decidiu estender o mandato de Bartolomeo até dezembro. Então, enquanto isso, segue o processo de escolha do novo CEO, que deverá assumir a empresa em janeiro de 2025.

Extensão de mandato não foi bem aceita


A partir da decisão de estender o mandato do atual CEO até o fim do ano, começou uma nova fase no processo de sucessão. Agora, uma empresa “headhunter” deverá fazer uma seleção com vários executivos.

No entanto, as negociações entre a empresa e o governo devem se estender. Os conselheiros já discutiram em detalhes as características que o novo CEO precisa ter. Entre elas, não ter ligação anterior com os acionistas atuais, afastando em definitivo as possibilidades de Mantega.

Apesar disso, relatos na imprensa indicam que o conselho deseja um presidente que transite bem entre a área da mineração e os corredores de Brasília.

Para o analista da Genial Investimentos, Ygor Araújo, a decisão de protelar o mandato de Bartolomeo até dezembro foi “parcialmente negativa”. Por exemplo, Ygor reconhece que a decisão do conselho busca afastar a narrativa da influência política na escolha. No entanto, ele considera que a disputa irá continuar com um prazo tão curto.

“A decisão de estender o mandato do Bartolomeo até dezembro não remove incertezas e continua a abrir caminho para que o governo pressione por algum nome alinhado aos seus interesses.”

Acionista independente pede renúncia e critica decisão


A reunião do Conselho da Vale que estendeu o mandato do atual CEO durou até a noite de sexta-feira (08). Apenas dois conselheiros, do total de 13, votaram contra a decisão: José Luciano Duarte Penido e Paulo Hartung.

Aliás, na segunda-feira (11), José Penido entregou sua carta de renúncia ao colegiado e fez denúncias de interferência política na votação. O documento foi endereçado ao presidente do conselho de administração, Daniel Stieler, ao vice-presidente de finanças da empresa, Gustavo Pimenta, e ao diretor de governança corporativa, Luiz Gustavo Gouvea.

Em trecho da carta, Penido afirma que:

“Apesar de respeitar decisões colegiadas, em minha opinião o atual processo sucessório do CEO da Vale vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política.”

O pedido de renúncia e a carta de Penido reforçam as polêmicas em torno do processo sucessório. Portanto, mantém vivo algo que a Vale talvez esperava encerrar depois da sua última decisão. Entre os 11 membros do colegiado que votaram a favor da extensão do mandato de Bartolomeo até dezembro, estão os representantes da Previ, da Bradespar, da Mitsui e da Cosan. Além disso, os demais conselheiros independentes e o representante dos empregados votaram a favor.

Em carta, José Penido indicou que a combinação de interesses que existe no colegiado atualmente não é boa para a companhia. Segundo ele:

“No conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade.”

Vale se manifesta em defesa da decisão


Portanto, o que era para ser um recomeço tranquilo do processo de escolha do novo CEO se tornou uma nova dor de cabeça para a Vale. Afinal, as críticas do executivo foram pesadas ao conselho de acionistas:

“Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation. (…) Nesse contexto minha atuação como conselheiro independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante.”

Na última terça-feira (12), um dia após as acusações de Penido se tornarem públicas, a Vale divulgou um comunicado do presidente do conselho, Daniel Stieler.

Para ele, a atuação do colegiado na definição do presidente da empresa está “rigorosamente” em conformidade com o estatuto social e o regimento interno do órgão de políticas corporativas.

“O Conselho de Administração seguirá desempenhando as ações previstas nos processos de governança da Vale e executando sua missão de forma diligente.”

Até o momento, nem o ministério de Minas e Energia, nem os representantes do outros acionistas se manifestaram sobre as declarações de Penido.

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