Polêmica dos dividendos da Petrobras — O que está em jogo?

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Este mês, a Petrobras surpreendeu o mercado ao anunciar a decisão de não pagar dividendos extraordinários aos acionistas. A decisão ocorreu logo após a divulgação do resultado da empresa no quarto trimestre de 2023.

No ano passado, a Petrobras teve o segundo maior lucro da sua história, de R$ 124,6 bilhões. No entanto, a empresa lucrou 33,8% a menos que em 2022, devido a uma série de fatores. O principal deles foi a série de oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.

Os dividendos são parte dos lucros que as empresas distribuem entre seus acionistas. Portanto, é uma forma de remuneração paga aos sócios-investidores de companhias como a Petrobras, que tem ações negociadas em bolsa.

Petrobras alterou regras sobre dividendos em 2023


A Petrobras divide os pagamentos em dividendos mínimos e extraordinários. Os primeiros se referem ao valor mínimo obrigatório. Ele pode variar entre acionistas ordinários (com direito a voto em assembleias) e preferenciais (sem direito a voto, mas com preferência no pagamento de dividendos).

No relatório da quinta-feira (7/03), a empresa anunciou R$ 14,2 bilhões em dividendos mínimos para o trimestre.

Por outro lado, os dividendos extraordinários são aqueles que ultrapassam esse mínimo, e a empresa pode decidir não pagá-los. Esses dividendos correspondem a 60% da diferença entre o fluxo de caixa operacional e investimentos. Além disso, sua distribuição só pode ocorrer quando o endividamento da empresa é menor que US$ 60 bilhões.

Essas eram as regras da empresa até o ano passado, que também previa a distribuição dos dividendos por trimestre. Também se considerava o resultado apurado no período de três meses.

No entanto, o estatuto social da Petrobras sofreu uma alteração em julho de 2023. Entre as mudanças, houve alterações na política de dividendos. Portanto, os dividendos extraordinários passaram a ter critérios mais rígidos para pagamento.

Além disso, a distribuição do extraordinário também deixou de ser trimestral. Isso levou os investidores a crerem que o pagamento ocorreria após o término do ano fiscal, com o anúncio dos resultados do quarto trimestre. Esse anúncio costuma ocorrer em março do ano seguinte. Ou seja, trata-se daquele que ocorreu na quinta passada.

Conselho da empresa decidiu pela retenção


No ano de 2022 a Petrobras vinha batendo recordes de lucro, e houve uma distribuição de dividendos de mais de R$ 200 bilhões. No anúncio da quinta (7/03), a empresa não apenas divulgou o segundo maior lucro da história, como também um endividamento bruto de US$ 62,6 bilhões. Esse nível de endividamento ficou abaixo dos US$ 65 bilhões previstos no estatuto.

Portanto, tudo indicava que o pagamento dos dividendos extraordinários ocorreria. A diretoria da empresa enviou ao Conselho de Administração uma proposta para pagar 50% dos dividendos extraordinários e reter a outra metade. No entanto, o colegiado decidiu propor a retenção do valor total dos dividendos extraordinários.

Com isso, o total de R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários iria para um fundo de reserva. Segundo o estatuto da empresa, esse fundo deve servir para remunerar os acionistas ou cobrir possíveis prejuízos.

O Conselho de Administração é responsável pelas principais decisões de uma companhia. Na Petrobras, esse colegiado inclui seis indicados pelo acionista controlador, que nesse caso é a União. Além disso, há quatro indicados pelos acionistas minoritários e um representante eleito pelos trabalhadores.

Aliás, a proposta de reter o total dos dividendos extraordinários ainda passará pela Assembleia Geral Ordinária, que reúne os acionistas da Petrobras no próximo dia 25 de abril.

Reserva pode ajudar Petrobras a obter financiamentos


O diretor de Financeiro da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, reconheceu que há “folga” para o pagamento de dividendos. Em uma conferência com analistas de bancos e investidores, Leite afirmou:

“Tivemos resultado expressivo e endividamento baixo. Isso leva à conta que os analistas fizeram, de uma folga para pagamento de dividendo extraordinário. De fato, existe essa folga, só que o Conselho de Administração decide encaminhar para a reserva.”

No entanto, Leite explicou que o Conselho de Administração da Petrobras tomou essa decisão porque a empresa deve desembolsar mais capital em 2024 e 2025. Isso ocorrerá devido a mais investimentos previstos no plano estratégico da companhia. Portanto, a reserva feita com o valor dos dividendos ajudaria a estatal a conseguir melhores financiamentos. Afinal, com mais dinheiro em caixa, a empresa dá mais sinais ao mercado de que honrará com seus financiamentos.

Por fim, Leite explicou que esse montante que seria destinado ao pagamento dos dividendos extraordinários não pode ser aplicado em investimentos. Isso consta nas regras da própria Petrobras. Segundo o diretor: “o recurso destinado para essa reserva é para pagamento de dividendo”.

Desacordo entre governo e presidente da Petrobras


Na reunião que decidiu reter os dividendos extraordinários, os indicados pelo governo no Conselho de Administração votaram contra a proposta da diretoria da Petrobras, de reter apenas 50%. Além disso, a representante dos funcionários da empresa também votou pela retenção do valor total.

Isso mostra mais uma vez a disputa por influência na companhia, entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Aliás, essa disputa remonta ao início do governo Lula.

O ministro Silveira se opunha a pagar os dividendos extraordinários, e Prates era a favor. O presidente da companhia se absteve de votar sobre os dividendos no Conselho, ao contrário do que fizeram os outros representantes do governo.

Alexandre Silveira conseguiu emplacar aliados seus no Conselho de Administração da companhia. Além disso, a Casa Civil, comandada por Rui Costa, também indicou um representante. Portanto, a ala do governo alinhada a Silveira tem maioria nas decisões estratégicas da empresa.

Lula controla reunião para aplacar incêndio


A crise instalada a partir da decisão anunciada pela Petrobras fez com que a empresa perdesse pouco mais de R$ 50 bilhões em valor de mercado. Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião para debater a situação.

Na última segunda-feira (11), reuniram-se com Lula no Palácio do Planalto os ministros da Casa Civil, Rui Costa, das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Fazenda, Fernando Haddad. Além disso, esteve presente o presidente da Petrobras Jean Paul Prates e outros membros do governo.

Na reunião, ficou decidido que o Conselho de Administração da Petrobras vai rediscutir a questão dos dividendos. Também se decidiu que Haddad indicará um nome da Fazenda como conselheiro da empresa. O objetivo é equilibrar as forças nas decisões, de modo que o voto de Prates tenha poder de desempate.

Rui Costa diz que regras foram cumpridas “milimetricamente”


Na terça-feira (12/03), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que não entende o motivo por tanta polêmica em torno da decisão da Petrobras. Segundo ele, as regras que fundamentaram a decisão foram votadas no ano passado no Conselho. Além disso, ele afirmou que essas regras foram cumpridas “milimetricamente”. Segundo Rui Costa:

“O mercado sempre fala em previsibilidade, segurança jurídica e cumprimento das regras preestabelecidas. Tudo isso foi feito.”

Para o ministro, todo o processo está sendo feito conforme as leis das SAs (as Sociedades Anônimas). Ele também afirmou que a decisão está de acordo com as regras de governança da Petrobras: “Não vejo por que tanta polêmica”, afirmou.

Rui Costa também lembrou que no ano passado a petroleira registrou o segundo maior lucro da história e pagou o segundo maior valor em dividendos aos acionistas. Além disso, ele acusou os especuladores pelo barulho em torno da decisão:

“Toda vez que tem esse movimento alguém sempre ganha muito dinheiro. E não é aquele que está vendendo. É aquele que está comprando, porque esse movimento é para iludir.”

Por fim, Rui Costa comentou sobre a reunião no Palácio do Planalto. O ministro minimizou o clima de tensão e brincou com essa questão dizendo que, ao menos na foto, todos estavam sorridentes.

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