Dolarização e fim do banco central argentino – Plano de Milei perde força após a posse

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Posse de Milei
Posse de Milei (fonte: divulgação)

Javier Milei se elegeu na Argentina com promessas polêmicas na área econômica. No entanto, após a posse do novo presidente no último domingo (10/12), cresceu a desconfiança sobre a sua principal bandeira: o fechamento do banco central e a consequente dolarização da economia.

Após a eleição, Milei continuava afirmando seu plano de fechar o banco central. Mas o tema esteve ausente em seu discurso de posse. Agora, muitos analistas duvidam da sua intenção de levar o tema adiante, assim como da capacidade do governo de colocá-la em prática.

“No hay plata”: discurso de posse focou em ajuste fiscal


A cerimônia de posse de Milei atraiu apenas sete chefes de estado. Entre eles, estiveram o rei da Espanha, Felipe VI, e presidentes sul-americanos como Luis Lacalle Pou (Uruguai), Santiago Peña (Paraguai) e Gabriel Boric (Chile).

Chamaram a atenção as presenças do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e do líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O presidente da Armênia, Vahagn Khachaturyan, também esteve presente. No entanto, para os brasileiros, o que mais chamou a atenção foi o comparecimento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de uma comitiva formada por outros políticos brasileiros de extrema-direita.

Em seu discurso, Milei ignorou a promessa de dolarizar a economia argentina e extinguir o banco central. O agora presidente preferiu focar nas críticas ao governo anterior e ao estado geral da economia argentina. Ele também evitou o anúncio de medidas concretas. Por outro lado, falou em ajustes “dolorosos”. Isso após afirmar que “não há dinheiro” nem capacidade de financiar uma solução gradual.

Segundo Milei, as “decisões difíceis” que ele tomará terão um custo significativo sobre a atividade econômica. São esperados efeitos negativos sobre o emprego, o salário e a renda dos argentinos. As medidas que levarão a isso podem incluir alterações fiscais, privatizações, cortes em estatais e perdas de subsídios.

Isso pode significar uma mudança importante no discurso do presidente. Afinal, mesmo após eleito, o novo presidente argentino vinha fazendo questão de confirmar o objetivo de fechar o Banco Central.

No dia 24 de novembro, poucos dias depois de sua eleição histórica contra o peronista Sergio Massa, Milei havia divulgado um comunicado de imprensa afirmando que o encerramento da instituição é um assunto inegociável.

Outro assunto que circulou bastante antes da posse foi uma possível visita de Max Keiser, conselheiro do governo de El Salvador, para discutir o uso do Bitcoin. Ela acabou não se confirmando. No entanto, elevou bastante a expectativa sobre possíveis experiências heterodoxas na economia argentina.

Primeiros anúncios reforçam dúvidas sobre o banco central


Algumas das primeiras ações de Milei têm colocado ainda mais em dúvida a sua real intenção ou capacidade de levar adiante o plano original. O que chamou a atenção dos analistas, inicialmente, foi a escolha da nova equipe econômica.

O presidente escolheu como ministro da economia Luis Caputo, aliado de Mauricio Macri. Já para o comando do banco central, foi apontado Santiago Bausili, também por indicação do ex-presidente. Com isso, o grupo político de Macri reforçou sua influência sobre o novo governo.

Macri fez questão de expressar seu apoio ao discurso de posse de Milei no X (antigo Twitter), no qual ele cita o fim do banco central e a dolarização:

No entanto, a sua influência no novo governo tem sido vista como um possível freio a medidas mais extremas. Bausili, por exemplo, já declarou que o banco central não será fechado enquanto ele for presidente da autoridade monetária. Para ele, o foco deve estar na independência da instituição:

“A independência do Banco Central ocorre quando o banco não financia o Tesouro Nacional. Hoje temos uma situação em que o Banco Central já financiou o Tesouro.”

Uma das primeiras medidas de Milei, nesta segunda-feira (11/12), foi a redução do número de ministérios de 18 para 9 pastas. Também foi anunciada a restrição à compra de dólares por bancos e empresas. Portanto, foram apenas ações iniciais para preparar o governo para medidas com impacto potencialmente maior.

A dúvida, agora, é o que Milei será capaz de fazer (ou terá interesse em fazer) que já não tenha sido tentado anteriormente, sem muito sucesso. Com uma equipe econômica de influência ortodoxa, as medidas podem parecer mais do mesmo, principalmente quando se esperava algo tão extremo quanto o fim do banco central e a dolarização.

Dias difíceis pela frente


Outro ponto importante é entender a musculatura do governo Milei para enfrentar os efeitos sociais de um choque agressivo na economia argentina. Afinal, ele espera que a crise gerada pelas medidas de ajuste dure, no mínimo, entre 18 e 24 meses.

No entanto, o presidente não terá uma base sólida no congresso e pode ver muitas de suas iniciativas revertidas, principalmente se estiver com a popularidade em baixa. A força das ruas pode ser outro fator relevante. Afinal, Milei ficou em segundo lugar no Distrito de Buenos Aires, e a capital argentina tem uma longa tradição de protestos na região da Casa Rosada.

No programa Canal Livre, da Band, o ex-ministro das Relações Exteriores Rubens Ricupero salientou que Milei terá dificuldades junto aos seus eleitores se não trouxer um choque na gestão econômica. Segundo ele, uma reforma fiscal tradicional não será suficiente para agradar quem votou no novo presidente.

“Alguma coisa ele vai ter que fazer de surpreendente. Ele tem um eleitorado grande que espera um abalo, né, que não vai ser esse abalo ortodoxo. O abalo neoliberal só comove os neoliberais.”

Portanto, Milei terá que enfrentar os tempos difíceis que vem pela frente. E isso inclui uma possível decepção de parte do seu eleitorado caso medidas mais extremas demorem a ser tomadas. Para se manter em alta, ele poderá ter que se fiar em pautas à parte da área econômica, incluindo temas como segurança, costumes e a herança da ditadura.

Os motivos de Milei para fechar o banco central argentino


Afinal, quais seriam os efeitos de um possível fechamento do banco central argentino? Para grande parte dos eleitores de Milei, essa iniciativa não teria muito apelo se não fosse o que está por trás dela. O intuito do novo presidente é dolarizar a economia do país. Então, encerrar a instituição significa, na prática, deixar de emitir uma moeda própria — no caso, o peso argentino.

O Banco Central da República Argentina é uma entidade autônoma vinculada ao Estado com diversas atribuições. Segundo a sua Carta Orgânica, uma das responsabilidades da instituição é justamente emitir notas e moedas de acordo com a delegação de competências feita pelo congresso nacional.

Para Milei, a inflação argentina é uma questão monetária. Afinal, segundo a sua visão, a emissão desenfreada de moeda estaria motivando o aumento dos preços. Ao longo da campanha presidencial, ele esboçou seu plano:

  • Cortar gastos do governo para que não haja a necessidade de emitir mais moeda para cobrir o déficit
  • Interromper a emissão de moeda própria e substituí-la por dólares americanos
  • Estabelecer uma conversão inicial próxima do dólar “azul” (taxa de câmbio informal da economia argentina)
  • Provocar um choque nos preços que leve a uma reavaliação dos salários e da produção em dólares

Com isso, ao final das reformas, a expectativa do agora presidente é vencer a inflação. Afinal, segundo a sua perspectiva econômica liberal, os preços e salários irão se ajustar automaticamente tendo a moeda norte-americana como referência.

As críticas ao plano de Milei


Especialistas da área econômica chamam atenção para diversos pontos frágeis do plano original de Milei. Entre os efeitos possíveis do fechamento do banco central argentino, estaria a perda de influência sobre a política monetária.

Em última instância, a economia local ficaria dependente das decisões do Federal Reserve, o banco central dos EUA. Afinal, esse é o preço de substituir o peso pela moeda norte-americana. Portanto, os argentinos não poderiam usar o juro como ferramenta para aquecer ou esfriar a economia — respectivamente, em caso de recessão ou inflação.

Além disso, o banco central tem papel importante como credor de última instância dos bancos argentinos. E também cumpre um papel fundamental na neutralização de possíveis corridas aos bancos.

Outro aspecto relevante é a possibilidade de um endividamento permanente para injetar dólares na economia, caso precise de mais moeda circulando. Aliás, essa é uma das principais dúvidas dos analistas atualmente: de onde viriam os dólares necessários para a dolarização da economia argentina?

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