Entrevista – Uma conversa com Fernando Lopes, visionário da tokenização de ativos e regulação cripto

Killian A.
| 11 min read
Entrevisrta com Fernando Lopes, visionário da tokenização e regulação cripto
Imagem: @_notWillyWonka

No mundo em constante evolução das criptomoedas e da tokenização, é fundamental compreender os meandros da regulação e como ela afeta tanto os investidores quanto os emissores de tokens. Para aprofundar nosso entendimento sobre este tema complexo e de extrema relevância, Cryptonews Brasil teve a oportunidade exclusiva de entrevistar Fernando Lopes.

Trata-se de um renomado especialista na regulação da tokenização. Sua vasta experiência na área pode ser explorada em detalhes no seu perfil do LinkedIn,

Lopes nos oferece insights valiosos sobre as tendências atuais, os desafios regulatórios e as oportunidades emergentes no espaço das criptomoedas. Acompanhe-nos nesta conversa esclarecedora, na qual desvendamos as nuances da tokenização sob a ótica de um dos mais respeitados profissionais do setor.

Sobre Fernando Lopes


Fernando Lopes é um destacado advogado e programador com uma trajetória notável no mundo jurídico e tecnológico, especialmente no campo das criptomoedas e da tokenização. Coautor do influente livro “O Guia Jurídico da Tokenização”, Lopes é uma referência no debate sobre blockchain, criptomoedas e a interseção entre direito e tecnologia.

Sua carreira é pontuada por realizações notáveis, como a publicação de artigos em renomados veículos jurídicoss. Além disso, participou de obras coletivas que exploram a relação entre direito e tecnologias emergentes.

Como CEO da Datacurrency, Lopes lidera a internacionalização de uma plataforma pioneira para a compra e venda de ativos por meio de frações de NFTs. Isso evidencia sua visão empreendedora e sua capacidade de liderança no setor tecnológico. Sua atuação como professor de Direito e Processo Penal, bem como sua participação em eventos e consultorias, demonstra o empenho em educar e orientar sobre as implicações legais da tokenização e da blockchain.

Cryptonews Brasil – Para começar, poderia nos dar uma visão geral sobre tokenização de ativos e sua importância no cenário financeiro atual, especialmente em referência ao seu livro?

Fernando Lopes – A tokenização é apenas um meio, um primeiro passo para permitir que bens, direitos ou serviços possam ser negociados de forma automatizada mediante o uso de smart contracts. Smart contracts, por sua vez, são um tipo muito específico de programa de computador. Foi idealizado pelo jurista e cientista da computação, Nick Szabo, com o fim de impedir ou desencorajar o inadimplemento contratual. Imagine, por exemplo, que um banco conceda financiamento de um veículo tokenizado e o devedor deixe de pagar uma prestação.

De acordo com Nick Szabo, em seu artigo “formalizing and securing relationships on public networks”, invés do que ocorre hoje, onde o banco teria que entrar com uma ação judicial contra o devedor, um smart contract implementando o que ele chama de “lien protocol” poderia simplesmente impedir que o devedor continuasse a usar o carro. Ou seja, passando automaticamente o controle do veículo para o banco. Uma vez identificado o pagamento pelo smart contract, o controle poderia retornar para o devedor.

Visão geral da tokenização


Não há espaço aqui para explicar os detalhes tecnológicos de como isso poderia ser implementado na prática, inclusive fazendo uso da IOT,  mas isso já é possível de ser feito. Contudo, para que os smart contracts sejam capazes de automatizar os processos de negociação é preciso que os bens, direitos ou serviços sejam representados por tokens. Que, a propósito, também são um tipo padronizado de smart contract.

Daí vem o nome tokenização. Inclusive, para que o exemplo acima do “lien protocol” pudesse ser implementado com mais facilidade, o ideal seria que o pagamento do financiamento também fosse feito por tokens.  O que no Brasil possivelmente poderá ser feito com o próprio real no formato Drex.

Já em relação à importância no cenário financeiro atual, considere que o risco de inadimplência é um dos maiores problemas da economia capitalista. Além do fato de que alguns dizem até que o direito empresarial só existe em função da proteção ao credor. Então, a tokenização surge como uma ferramenta de disrupção jamais vista, capaz de alterar completamente a visão tradicional do direito, das finanças e da economia de modo geral.

No livro escrito por mim e pela Marcella Zorzo, chamado “ O Guia jurídico da tokenização”, analisamos inclusive essa questão de modo mais detalhado ao falarmos sobre os flashloans. Trata-se de um tipo de empréstimo tokenizado existente apenas no mercado DeFi, com praticamente zero % de risco de inadimplência. Até hoje nunca ouvi falar de um caso onde alguém tenha conseguido inadimplir um flashloan.

Desafios regulatórios no Brasil

Em seu livro, você aborda os desafios regulatórios enfrentados no Brasil com relação à tokenização. Poderia detalhar esses desafios e como eles diferem de outras jurisdições?

Em geral todas as jurisdições têm os mesmos problemas regulatórios quando o assunto é tokenização. Isso porque estão alicerçadas em um paradigma regulatório que não é mais adequado para a sociedade atual. O que alguns sociólogos alemães chamam de “sociedades complexas”. E muito menos para o que Klaus Schwab chama de a 4ª revolução industrial.

Os smart contracts e, por conseguinte, a tokenização estão fundados na ideia de tornar impossível a própria violação das regras jurídicas. Isso mediante o uso de um paradigma regulatório conhecido como legal by design ( lembre do lien protocol do Nick Szabo). Enquanto isso, o estado ainda está preso à ideia de que a mera ameaça de pena é suficiente para prover segurança jurídica às partes.

Adaptação das regulamentações brasileiras na tokenização

Como as regulamentações brasileiras precisam evoluir para acomodar as peculiaridades da tokenização de ativos?

O legislador precisa não só entender como a tecnologia realmente funciona, mas também entender como pode ser usada para diminuir os riscos aos usuários. E, assim, diminuir o peso do custo regulatório sobre a atividade econômica. Por exemplo, imagine que um protocolo DeFi consegue efetivamente comprovar que eliminou o “risco de custódia”. Ou seja, que não há qualquer risco de alguém desaparecer com os recursos dos clientes. Então por que onerar esse protocolo com as mesmas normas incidentes sobre atividades típicas das instituições financeiras, nas quais o risco de custódia efetivamente existe, em virtude de sua natureza centralizada?

“Enquanto a IOT pode dar corpo para os smart contracts, a inteligência artificial poderá torná-los verdadeiramente inteligentes.”

Impacto da tecnologia blockchain

Qual é o papel da tecnologia blockchain na tokenização de ativos e como isso influencia o cenário regulatório brasileiro?

Vejo a blockchain apenas como um dos elementos necessários para o funcionamento do todo. Sem o condão de influenciar, por si só, a análise jurídica. Tecnicamente, eu designo a blockchain como uma  “superestrutura de dados distribuída”. Dado que sua base é formada por estruturas mais simples chamadas de blocos, onde as transações envolvendo tokens, por exemplo, ficam inicialmente armazenadas.

Logo, em relação ao cenário regulatório, o que importa é se a tecnologia como um todo está sendo capaz  de eliminar os riscos efetivos aos usuários. Dado que, de acordo com a máxima “same risks, same regulation”, mencionada em nosso livro e que rege o sistema financeiro internacional, sem eliminação dos riscos tradicionais, não é possível exigir uma legislação mais favorável.

Ou seja, de nada adianta, por exemplo, um sistema utilizar blockchain se um ou outro indivíduo tiver poder de desligar a rede e alterar o sistema. Tal como ocorre não apenas, mas principalmente em redes privadas. Por outro lado, diferente é o caso no qual as partes estejam em relação simétrica graças ao uso correto da tecnologia.

“A legislação brasileira está mais para os Estados Unidos do que para a União Europeia. Na UE, o legislador demonstrou grande consciência sobre o fato de estarmos diante de uma tecnologia disruptiva. Brasil e Estados Unidos se serviram de analogia com os ativos tradicionais. Para mim, isso é um erro.”

Com base em suas pesquisas, como a abordagem do Brasil à tokenização se compara com outros países? Há lições que podemos aprender?

É difícil fazer comparações entre jurisdições, dada as diferenças culturais e institucionais entre elas. Porém, diria que a legislação brasileira está mais para os Estados Unidos do que para a União Europeia.

Na UE, o legislador demonstrou grande consciência sobre o fato de estarmos diante de uma tecnologia disruptiva. Ou seja, buscou primeiro identificar, conceituar e descrever as diversas espécies dos criptoativos. Para apenas posteriormente criar classificação e regulamentação baseada no risco. Por outro lado, Brasil e Estados Unidos se serviram de analogia com os ativos tradicionais.

Para mim, isso é um erro. Porque, conforme afirmamos no livro, quando estamos diante de tecnologias disruptivas podemos até usar metáforas, mas não analogias. Não dá, por exemplo, para fazer uma analogia entre Bitcoin e moeda escritural. Ou mesmo entre o que o mercado chama de stablecoin e a moeda escritural.

Os fundamentos sistêmicos e ontológicos são completamente distintos. Esse reducionismo acabou por dar grandes poderes ao Banco Central para regular o mercado, atraindo toda a rigidez normativa típica da regulamentação do sistema financeiro.

Nesse sentido, os grandes Bancos brasileiros entram com vantagem no mercado da tokenização, dado que já estão acostumados com a regulação do sistema financeiro, o que poderá levar muitos projetos tecnológicos brasileiros promissores para outras jurisdições.

Proteção ao investidor e desafios de conformidade

Em algumas publicações recentes, como você aborda a questão da proteção ao investidor e dos desafios de conformidade para as empresas que operam na tokenização de ativos no Brasil?

Após a Lei 14.478/2022, se a empresa se enquadrar como “prestadora de serviço de ativo virtual”, deverá implementar normas rígidas de compliance, similares às já aplicáveis às instituições financeiras. Do contrário, deverá ser capaz de formar um corpo jurídico muito especializado no assunto, visto que o risco de ter sua atividade caracterizada como prestação irregular de serviço de ativo virtual será muito grande, dadas as poucas exceções em relação ao conceito de ativo virtual, dentre as quais destacamos a do inciso III do artigo 3º, que deverá ser explorada por boa parte das tokenizadoras de ativos reais.

A propósito, a prestação irregular de serviço de ativos virtuais passa a ser considerada crime contra o sistema financeiro nacional, dada a modificação do artigo 1º da Lei 7492/86 pela Lei 14.478/2022.

Como a descentralização impacta a regulamentação dos tokens no Brasil? Existe um equilíbrio ideal entre descentralização e regulação?

No Brasil não há discussão sobre o assunto, visto que a tendência é a de subordinar a atividade de tokenização ao Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários, independentemente de haver ou não descentralização com consequente diminuição dos riscos. Já no âmbito da União Europeia, conforme eu e a Marcella Zorzo mencionamos no nosso livro, há tendência em não aplicar o MiCA para atividades totalmente descentralizadas, o que incluiria alguns protocolos DEFI, mas apenas para aquelas parcialmente descentralizadas. Logo, lá a discussão está mais evoluída, até mesmo pela preocupação do legislador em fomentar o desenvolvimento tecnológico, especialmente de startups, que não possuem condições de competir com grandes conglomerados financeiros.

Quais tecnologias emergentes você acredita que terão o maior impacto na tokenização nos próximos anos no Brasil?

Sem dúvida nenhuma  a inteligência artificial e a Internet das Coisas. Penso que enquanto a IOT pode dar corpo para os smart contracts, a inteligência artificial poderá torná-los verdadeiramente inteligentes.

No contexto brasileiro, quais são os principais desafios enfrentados por startups e empresas menores no campo da tokenização de ativos?

O principal será conseguir se adaptar às exigências da Lei 14.478/2022. Em caso de adaptação o próximo desafio seria o de conseguir competir com os grandes conglomerados financeiros. Porém, na prática já temos observado que a maioria das startups existentes nesse setor já nasce com intenção de ser adquirida por algum Banco, o que acaba contribuindo para diminuição de concorrência e do grau de inovação no país.

Que conselhos você daria para as empresas que estão considerando entrar no mercado de tokenização no Brasil? E como você vê o futuro desse mercado no país?

Eu penso que a tokenização tem muito a ver com a transnacionalização da economia. Logo, eu não estruturaria uma empresa para atuar nesse setor, sem estar preparado para atuar em qualquer parte do mundo, ou ao menos para explorar as diferenças regulatórias, o que em direito e no nosso livro chamamos de “arbitragem regulatória”.

Porém, se o objetivo for atuar no Brasil mesmo, então o melhor a fazer seria atuar como prestador de serviços para instituições financeiras na área de tecnologia. Entretanto, se for possível evitar a incidência da Lei 14.478/2022, então será necessário ter um corpo jurídico bem especializado de modo a evitar a prática de crimes financeiros ou contra o mercado de valores mobiliários.Enfim, um bom conselho inicial seria também a leitura do nosso livro, O Guia Jurídico da Tokenização”, onde apresentamos um panorama da questão, especialmente voltado aos empreendedores.  O livro foi escrito por mim e pela advogada Marcella Zorzo, podendo ser adquirido pelo site https://lopesezorzo.com.

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