Negociação de bitcoins deixou saldo negativo de 7 bilhões na balança de pagamentos brasileira

Gabriel Gomes
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Segundo dados do Banco Central, a importação para o Brasil de criptomoedas, sobretudo o Bitcoin, deixou um déficit de US$ 7,37 bilhões de dólares na balança de pagamentos em 2022. Um valor não muito menor do que os US$ 8,13 bilhões de dólares gastos por brasileiros em compras no exterior no mesmo período, realizadas através de intermediários como Shoppe, Aliexpress, etc.

A importação de criptomoedas ajuda a explicar as discrepâncias entre os dados do BC, que desde 2019 as incluem, e os da Secretaria de Comércio Exterior, no qual elas, que não passam pela Aduana, não entram. O Banco Central estima o valor das operações com criptoativos com base nos contratos de câmbio.

Importações cripto e compras internacionais passam de US$ 20 bi

A soma da importação de criptomoedas e as compras internacionais feitas através de marketplaces como os citados passaram dos US$ 20 bilhões de dólares, resultado quase US$ 10 bilhões de dólares superior ao correspondente de 2021, quando os dois itens totalizaram US$ 11,67 bilhões de dólares.

Recentemente, a publicação CoinJournal publicou um estudo que indicava que o Brasil é o sexto país em número de detentores de criptomoedas, condição que abrange, conforme o levantamento, aproximadamente 1 em cada 15 brasileiros.

Conforme o citado estudo, à frente do Brasil, em ordem decrescente do número de donos de criptomoedas, estão Estados Unidos, Vietnã, Paquistão, Nigéria e África do Sul. Completam a lista dos 10 países com mais detentores de criptomoedas, Quênia, Filipinas, Tailândia e Indonésia.

Os Estados Unidos apresentam o maior número de pessoas que detêm criptomoedas, pouco mais de 46 milhões, pouco mais do que o dobro do segundo colocado da lista, o Vietnã, o qual, no entanto, apresenta uma disseminação um pouco maior desses ativos. No país do Sudeste Asiático, 1 em cada 5 pessoas detém criptomoedas; nos EUA, a proporção correspondente é de cerca de 1 detentor a cada 8 habitantes.

O estudo do Coin Journal também ordenou os países em um ranking dos mais bem-sucedidos em matéria de criptomoedas, combinando vários fatores, entre os quais a adoção desses ativos entre a população, o número de empresas do setor atuando e os ganhos dos investidores com eles. No cômputo final, o Brasil ficou em décimo oitavo lugar, entre México e Tailândia.

Estudo indica que Brasil é um dos líderes em adoção de criptomoedas

Outra evidência do interesse dos brasileiros pelas criptomoedas havia surgido em fins de 2022, com um estudo da empresa de análise do mercado de criptomoedas Chainalysis, intitulado Geography of Cryptocurrencies (Geografia das Criptomoedas), segundo o qual o Brasil é um dos líderes em adoção das criptomoedas.

Com base em um índice que combina diversos aspectos relacionados ao uso e à negociação das criptomoedas, o Brasil ficou em sétimo lugar. Um dos sócios da gestora brasileira Fuse Capital ouvido pelo site Cointelegraph, Dan Yamamura, considerou bastante positivo para o setor cripto brasileiro a posição de destaque do Brasil no ranking. Para o executivo, além do progresso na adoção pelo público brasileiro das criptomoedas, o avanço da regulamentação dos ativos também fez com que o país se tornasse mais atraente para negócios envolvendo-os.

Ao se falar de regulamentação do setor cripto, convém lembrar que, em 21 de dezembro do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro sancionou sem vetos o projeto de lei de regulamentação no Brasil das criptomoedas. A peça legislativa havia passado pela Câmara em fins de novembro e pelo Senado em abril. Ela foi publicada no Diário Oficial no dia seguinte à sanção e entrará em vigor neste ano, após completados 180 dias da publicação.

A Associação Brasileira de Cripto Economia (ABCripto) publicou nota comemorando a sanção do Projeto de Lei. À revista Exame, Karen Duque, chefe de Políticas Públicas da Bitso Brasil, disse que a sanção dava início a uma nova etapa para o Brasil e para a América Latina e, dentre outras vantagens, supria as empresas com segurança jurídica e os investidores com mais proteção.

Estudo aponta razões dos brasileiros para comprar criptomoedas

A Chainalysis aponta como maiores motivos dos brasileiros para terem criptomoedas os seguintes: 

  • Especulação
  • O papel delas como reserva de valor 
  • A realização de remessas internacionais.

Quando o estudo da Chainalysis foi publicado, o chefe da seção de criptomoedas da Nubank, Thomaz Fontes, afirmou que a maior facilidade de acesso às criptomoedas ajuda a explicar por que cresceu o número de pequenos investidores que as abrigam em seus portfólios, o que, por sua vez, é uma explicação para o aumento da especulação com esses ativos.

Enfim, há bons motivos para pensar que, independentemente das altas e baixas do mercado de criptomoedas e da hostilidade de investidores como Munger, durante um bom tempo ainda, esses ativos estarão causando déficits nos números do BC. O guardião da moeda nacional, aliás, também tem sua própria iniciativa no mundo dos ativos digitais, o real digital, cuja implementação vem sendo estudada pela instituição desde 2020.

Brasil deve ter real digital até 2024

Em caráter experimental, em novembro do ano passado, o Banco Central emitiu os primeiros reais digitais. A moeda deve ser disponibilizada ao público até 2024 segundo as previsões das autoridades monetárias.

Entre as vantagens que o real digital deverá oferecer, segundo o Banco Central, estão o aumento da eficiência em pagamentos e a facilidade na troca da moeda digital brasileira pelas que serão implementadas por outros países, o que seria um potencializador de participação do Brasil no comércio internacional.

Convém, porém, lembrar que o real digital não será uma criptomoeda, mas uma moeda que contará com lastro do governo. Além disso, será mais rastreável que as criptomoedas, mineradas e negociadas em redes descentralizadas, o que pode ser considerado uma vantagem do ponto de vista do combate a crimes como a lavagem de dinheiro e ao financiamento do crime organizado. Mas tem um ponto negativo no que se refere à privacidade, algo que muitos defensores das criptomoedas consideram extremamente importante.

À época da emissão dos primeiros reais digitais, Gustavo Tonet Fagundes, advogado da Zulmar Neves Advocacia, escritório especializado em Direito Tributário, defendeu em um artigo que a ideia de uma moeda digital lastreada pelo governo tem seus méritos e citou o PIX, que apesar de críticas que sofreu inicialmente, caiu no gosto da população, que o reconheceu como uma ferramenta extremamente útil, e atualmente supera em volume todas as formas de transferência financeira no Brasil.

Como paralelo, intervenção do governo na China prejudica empresas cripto

Interessantemente, no estudo da Chainalysis, a China ficou em décimo lugar na adoção de criptomoedas, apesar da proibição em 2017 de realização de ICOs (Initial Coin Offering, Oferta Inicial de Moeda, é a oferta inicial ao mercado de ativos digitais como criptomoedas) e o fechamento de plataformas de negociação desses ativos. 

Um exemplo dos efeitos das proibições impostas pelo regime de Beijing é o caso da Binance, que é a maior corretora de criptomoedas do mundo. Embora a empresa tenha sido fundada no país asiático, ela teve que deixá-lo.

O mercado de criptomoedas chinês recuou na esteira das proibições, mas, em anos recentes, deu sinais de recuperação, o que alguns observadores pensam ser sinal de que as medidas foram relaxadas ou têm sido implementadas de forma menos rigorosa. As restrições da China contra criptomoedas foram recentemente citadas como exemplo por Charles Munger, lendário investidor e parceiro de outro gigante, Warren Buffett, da Berkshire Hathaway. 

Em artigo publicado no Wall Street Journal, tradicional jornal especializado em negócios e economia, Munger defendeu que os Estados Unidos banissem as criptomoedas, que, para ele, não são nem mercadorias, nem títulos, nem moedas de verdade. Ele acredita que são contratos de um tipo peculiar: pouquíssimo regulados e cujos emissores, “a casa” como ele se refere a eles, levam a vantagem.

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