Especialista explica o que são DAOs e como torná-las mais efetivas

Pedro Augusto
| 12 min read

O que são DAOs

No cenário atual do agronegócio, a tecnologia promete revolucionar o campo com inovações que vão além do convencional. Antonio Carlos Amorim, conhecido como Carl Amorim, é um especialista em Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs) e um entusiasta da tecnologia blockchain. Em uma entrevista exclusiva, ele compartilhou insights sobre como estas tecnologias podem ser aplicadas no agronegócio para promover eficiência, transparência e autonomia.

Amorim, que também é pesquisador de blockchain, está liderando um projeto ambicioso para o desenvolvimento de uma startup, a Ceres Agrointeligência.

Este projeto visa criar produtos e serviços inovadores para o agronegócio, aproveitando o potencial de tecnologias emergentes como a blockchain, Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IOT).

A seguir, a entrevista exclusiva e na íntegra com Carl Amorim.

DAOs

Cryptonews Brasil – O que são DAOs?

Carl Amorim – DAO é um termo cunhado há uns sete ou oito anos, na esteira da criação do Ethereum, que significa Decentralized Autonomous Organizations, ou Organizações Autônomas Descentralizadas. Isto seria algo como uma companhia onde a estrutura de governança hierárquica vertical e centralizada seria substituída por um Contrato Inteligente, ou Smart Contract, e processos de votação “democráticos” onde todos os stakeholders teriam direito a voto por possuírem Tokens de Governança da DAO.

Em resumo, funcionaria da seguinte maneira: os “trabalhadores” das DAOs apresentam propostas para desenvolvimento da DAO, os stakeholders analisam estas propostas, usam seu poder de voto para aprovar ou rejeitá-las, e a DAO segue a decisão tomada pelo processo de votação.

Uma segunda interpretação, que prefiro pessoalmente, são as DAOs distribuídas, as Distributed Autonomous Organizations. A diferença entre os dois modelos é baseada no trabalho de Paul Baran da década de 60 sobre topologias de redes de comunicação, considerado a base da configuração da internet.

Qual a diferença entre as duas?

A diferença entre as duas é o grau de centralização do processo de decisão. Enquanto as DAOS descentralizadas têm um “contrato inteligente” fazendo o papel do tomador de decisão. As DAOs distribuídas seriam mais fluidas e as decisões tomadas pela interação dos stakeholders e dos contratos teriam seu papel restrito ao controle de fluxo financeiro.

Em suma, as DAOs são uma evolução natural da forma como nos organizamos na nova economia digital baseada em contratos inteligentes, ativos digitais e processos horizontais de gestão.

Como a constituição de DAOs pode influenciar na transparência da administração de um negócio?

Acredito que a relação desta pergunta é inversa. Sem transparência total, não há DAO, simples assim. DAOs, como qualquer organização aberta e horizontal, dependem de confiança e colaboração entre os membros. E sem transparência, não há confiança.

Por isso, a blockchain é extremamente necessário e imprescin­dível para se iniciar uma DAO. Somente a blockchain permite aos membros da DAO auditarem as transações em tempo real e ter a segurança de receber o que é devido.

I­magine uma empresa onde não há nenhuma barreira ou estímulo que possa impedir que investidores e funcionários a deixem. Se não houver uma confiança absoluta destas pessoas na gestão e no retorno do dinheiro e tempo investidos, vão abandonar a organização e buscar projetos mais interessantes.

A longo prazo, a transparência é vital para a sobrevivência da DAO, e aí a relação é simples. Quando não há transparência, temos uma PiramiDAO (um trocadilho envolvendo pirâmides hierárquicas, no caso de DAO honestas, e pirâmides financeiras nos casos mais duvidosos).

DAOs podem existir sem smart contracts e tecnologia blockchain?

Claro que podem. O principal papel dos smart contracts e dos criptoativos é a redução do custo de transação pela programação das transferências de ativos, oferecendo transparência e segurança. E permitindo o crescimento das organizações em escala. Dispensar o uso dos smart contracts e criptoativos é possível. Porém, o trabalho e custos limitariam a organização, inviabilizando-a a longo prazo ou, pior, convertendo-a em uma organização tradicional do modelo industrial centralizado.

Entre 2016 e 2023, enquanto elaborávamos nossa metodologia de DAOs distribuídas, focamos toda a atenção nos processos de interação entre os membros da DAO. Dessa forma, deixamos o desenvolvimento tecnológico para o momento onde tivéssemos os processos desenhados e testados. Mas, principalmente, quando houvesse certeza absoluta do que seria necessário programar nos contratos e quais criptoativos deveriam ser criados. Pois, uma vez programados, não podem ser alterados.

Quais são os erros mais comuns na criação de uma DAO?

Acredito que um dos maiores e mais constantes erros cometidos pelos “criadores” de DAOs é a orientação puramente tecnológica e a desconsideração do elemento humano na equação. Como tem sido em todos os modelos de negócios envolvendo plataformas tecnológicas.

Criam-se organizações, contratos são programados, criptoativos vendidos e dinheiro é arrecadado. Tudo sob códigos mal testados, processos inadequados e a falsa premissa de que tomadas de decisão por votação são democráticas e a participação de todos stakeholders possível em bases regulares e contínuas.

Quais são os riscos de uma organização que não possui uma liderança centralizada?

Se olharmos para o passado com atenção, fica claro que as lideranças centralizadas representam um risco muito maior aos stakeholders: funcionários, investidores, clientes, comuni­dades e a economia. Basta lembrar de casos como Americanas, empresas do grupo do Eike Batista, ou Enron e FTX nos EUA. Ou seja, o poder autocrático, aliado à falta de transparência, contabilidade criativa e dificuldade de fiscalização fazem estragos grandes quando há má intenção e/ou gestão envolvidas.

Uma organização horizontal e distribuída com transparência e auditoria de seus processos e transa­ções não apresenta uma fração do risco dos modelos centralizados antigos.

O problema está nos modelos que vêm sendo utilizados e as falácias dos ditos processos de tomada de decisão democráticos. Primeiro porque não é factível pegar algo desenvolvido para o modelo industrial centralizado e replicar dentro dos paradigmas da economia digital.

É tentar encaixar o redondo no quadrado. A relação entre pessoas é outra, o acesso a informações é outro, os formatos de investimento e financiamento são outros. Por mais que pareça adequado, não é. É preciso toda uma reengenharia dos processos e da organização.

Eleição versus democracia

Em segundo está a insistência absurda das pessoas em confundir eleição com democracia e participação nos processos de tomada de decisão. Um processo onde há um número limitado de opções mutuamente excludentes não chegou perto do conceito de democracia pois exclui uma parte significativa de pessoas que escolhem a opção “perdedora”.

Campanhas de votação mal aplicados ou banalizados podem criar um viés de uniformidade de pensamento na organização, matando a diversida­de e tornando-a mais vulnerável às mudanças de mercado. O mais comum é a concentração disfarçada do poder. Pois, apesar do discurso inclusivo, a história é outra. A verdade por trás da maioria dessas DAOs é que uma reserva de uns 30% é mantida pelos “fundadores” e desenvolvedores. Outro tanto, cerca de 20% a 30%, fica com um pequeno grupo de investidores, enquanto uma minoria é vendida a varejo para pequenos compradores.

No final, o que deveria ser uma nova forma de se organizar, torna-se uma S.A. clássica. Ou seja, dando um poder absoluto ao grupo fundador por atuar como fiel da balança. Porém com o agravante de não estar regulada e oferecer a desculpa das decisões “democráticas” para isentarem o grupo centralizador de qualquer responsabilidade.

Há entraves no Brasil para o desenvolvimento de DAOs?

Em resumo, considero o atual sistema jurídico do Brasil suficiente para permitir  ambos formatos de DAOs. Tanto as descentralizadas quanto as distribuídas. Não é a legislação o problema, mas o modelo de negócio e a mentalidade centralizadora dos players no mercado. Esses fatores levam à criação de DAOs sem qualquer fundamento básico. Verdadeiras arapucas para investidores e trabalhadores. Nos últimos anos, vi verdadeiras aberrações surgindo.

Gente que tem coragem de subir no palco de um grande evento, apresentar-se como especialista, mas não resiste a cerca de 2 perguntas sem se entregar. DAOs com chefia e hierarquia, DAOs cujos processos de votação foram fraudados e as distribuições de receita desviadas. DAOs onde o fundador, ao ter sua proposta recusada, ignorou a decisão e gastou o recurso como queria e muitas outras atrocidades que somente o mundo cripto é capaz de produzir. E ainda continuam a defender sua desregulamenta­ção.

Para abordarmos entraves em geral, não somente os exclusivos do Brasil, podemos elencar:

Formalização

Segundo nossa metodologia e a experiência de quase 8 anos trabalhando com organizações distribuídas, percebemos que a formalização de uma DAO é sua maior inimiga. Pois, uma vez formalizada, a organização deixa de ser DAO. Uma vez que é necessário apontar responsáveis legais e fiscais pela organização.

Esse responsável jamais irá submeter-se a uma decisão por votação que o coloque em risco, e aí está plantada a semente da centralização.

Processo de votação

Como já citei anteriormente, restringir as tomadas de decisão a uma única metodologia compromete toda a organização. Em nossas pesquisas, e posteriormente na condução de nossos projetos, encontramos e aplicamos pelo menos outros 4 métodos de tomada de decisão. Do autocrático centralizado ao consenso.

Pois nem sempre é possível ou desejável consultas gerais aos membros da DAO. E, às vezes, muito raras, mas necessárias, a comunidade toda precisa concordar com a decisão. Essa diversidade de métodos, ao contrario do apregoado, é mais benéfico para a organização do que constantes consultas por votação.

Cargos e funções definidas

Uma das pedras fundamentais das organizações do modelo industrial precisa ser combatida com todas as forças, pois, por melhor que sejam as intenções, uma hierarquia se formará. Tivemos essa experi­ência no começo do nosso projeto da Kairos-DAO, onde identificamos 3 papéis que um membro poderia assumir de acordo com sua atuação. Não eram mutuamente excludentes, pois a cada momento o membro poderia assumir um deles. E o conjunto de sua atuação seria uma combinação em maior ou menor grau dos 3 tipos.

Em pouco tempo, criou-se informalmente na cabeça das pessoas uma classificação onde o objetivo era evoluir do menor para o maior, mesmo que essa classificação nunca tenha existido.

Fundos centralizados

Apesar de estar na própria gênese das DAOs, a centralização dos recursos é um desastre a espera da oportunidade certa para acontecer. Fundos centralizados em carteiras públicas geridos por smart contracts cujo código é público são uma tentação muito grande para invasão e desvio dos recursos.

A incapacidade dos envolvidos no desvio de US$ 63 milhões da The DAO em reconhecer este fato e sua insistência em culpar o smart contract quase destruíram a credibilidade do Ethereum. E criou a falsa premissa de que a tecnologia pode corrigir isso.

Outro problema dos fundos centralizados é que necessitavam de uma estrutura paralela para sua gestão. A organização não tem gestão centralizada mas nomeia um grupo para a função de tesouraria. Em pouco tempo, a DAO enfrenta uma disputa pelo poder de cuidar do caixa, atraindo pessoas mais interessadas no fundo do que na DAO. Já vimos isso acontecer em associações, sindicatos, clubes e cooperativas. Não há porque acreditar que a natureza humana irá mudar de uma hora para outra.

Que transformações a tecnologia blockchain já causou e ainda pode causar no agronegócio?

Pelos últimos meses em que tenho empreendi­do no mercado agro, tenho visto algumas iniciativas interessantes, porém tímidas. Diria que os principais problemas são:

  • Falta de conhecimento da tecnologia e seus benefícios;
  • Inexistência de um padrão de dados capaz de criar condições de várias aplicações e de diferentes fornecedores;
  • compartilhar dados e unificar toda a cadeia de valor do agro;
  • Regulação antiquada e incapaz de incentivar novos modelos de negócios e reduzir os custos de de captação de recursos;
  • Por fim, a natureza distribuída do agronegócio. 5 milhões de produtores rurais sendo 70% de pequenas e médias propriedades tornam qualquer operação envolvendo blockchain mais difícil. Isso pelo custo de mobilização, capacitação e captação de clientes.

Hoje diria que a tokenização de operações de Barter e de titulos como os CRAs e CPRs são as melhores iniciativas. Com a ressalva de ainda nem arranharem o potencial da criptoeconomia, mas já é um bom começo.

Como o agricultor brasileiro, principalmente o médio e pequeno, recebe a introdução de tecnologias com blockchain e IA?

O blockchain e os ativos digitais têm o potencial de revolucionar o agronegócio e a distribuição da riqueza gerada por ele. Aliado a tecnologias como Internet das Coisas (IOT) e a inteligência artificial, leva-se aos pequenos e médios produtores rurais condições comerciais que são disponíveis somente a grandes produtores e cooperativas.

Nossa startup, a Ceres Agrointeligência, atua nessa área. Por meio de parcerias, oferecemos uma plataforma de coleta de dados da propriedade rural e sua produção via sensoriamento remoto e IOT. Além disso, há o tratamento dos dados por IA para oferecer suporte técnico e aumentar a produtividade. A partir desses dados, estamos desenvolvendo produtos e serviços como seguros, crédito e Marketplace de insumos, com margens extremamente competiti­vas adquiridas através da redução dos custos e spreads decorrentes dos riscos operacionais e fraudes.

Acredito fortemente que o cenário do agro em três anos será completa­mente diferente do atual.

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