Resolução do Banco Central pode impedir exchanges de criptomoedas de usar PIX

Gabriel Gomes
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A presidência de Campos Neto no Banco Central deve chegar ao fim no final deste ano. O certo é que foi marcada por dificuldades com a inflação, que excedeu as metas, assistiu à introdução do sistema de pagamento Pix — cuja regulação continua em processo de aperfeiçoamento — e do Open Finance. 

Tudo isso foram frutos de longo trabalho dos técnicos do Banco Central. Além disso, ficaram claros os choques entre a instituição e o presidente Lula, que criticou os juros altos, que inibem o crescimento econômico ao tornar mais caro o acesso ao crédito por empreendedores e consumidores. Campos também afirmou não haver no mundo sistema de pagamentos tão avançado quanto o Pix e que o Real Digital terá integração com ele.

Nova resolução pode dificultar vida das corretoras de criptomoedas

Contudo, uma recente resolução do Banco Central pode afetar de forma profundamente negativa as corretoras de criptomoedas ao eliminar sua capacidade de disponibilizar a seus clientes a retirada de reais com o uso de Pix. 

Trata-se da Resolução BCB n.º 293, que entra em vigor em primeiro de março. Publicada em 15 de fevereiro, ela foi aprovada pela direção colegiada do Banco Central e tem por finalidade complementar e esclarecer outra resolução da instituição, a n.º 269, de 1º de dezembro de 2022.

As duas resoluções citadas, interpretadas em conjunto, impõem limites ao uso das contas transacionais, as quais são contas usadas para a realização (ou recebimento) de transferências instantâneas de fundos. Elas são oferecidas por instituições de pagamento, que não precisam necessariamente ser bancos, como as fintechs, por exemplo. 

A questão é que quase todas as exchanges de criptomoedas usam-nas em suas atividades para viabilizar o uso de Pix por seus clientes. 

Determinação do Banco Central obriga instituições financeiras a usar e oferecer o Pix

De acordo com o Banco Central, as instituições que oferecem a seus clientes o uso de contas transacionais devem participar do sistema Pix, o que significa passar por um processo de adesão que inclui a verificação do cumprimento de certos requisitos e a realização de testes.

Segundo a assessora sênior do Banco Central, Mayara Yano, a exigência de participação no sistema Pix é uma maneira de manter a obediência às regras deste. Além de garantir que os agentes envolvidos tenham a devida capacidade operacional, e também permitir a correta identificação dos usuários e agentes. Com isso, pode-se combater a lavagem de dinheiro e crimes a que esta atividade ilícita dá sustentação, como o terrorismo, a cujo financiamento pode servir.

O chefe da Gerência de Gestão e Operação do Pix (Gepix) do Banco Central, Carlos Eduardo Brandt, diz que a nova resolução tem como objetivo esclarecer as possibilidades envolvendo as parcerias e terceirizações no âmbito do Pix. Ademais, visa deixar claras quais as responsabilidades das instituições envolvidas e em que casos a terceirização não é permitida.

A terceirização, no âmbito do Pix, acontece quando há uma relação entre uma instituição privada que não faz parte do sistema Pix e uma instituição participante dele. Parceria é a relação mantida entre duas instituições que fazem parte do arranjo Pix.

De acordo com Brandt, o Banco Central esforça-se para garantir que os modelos de negócio que usam o Pix que beneficiam os usuários contem com um ambiente regulatório que garantia sua viabilidade. Mas também atua para deixar claro que são inaceitáveis modelos que se baseiam na falta de transferência, tragam insegurança ou criem assimetrias em suas condições de oferta. Além disso, as resoluções apontam as medidas que as instituições precisam dar para regularizarem sua situação e continuarem atuando.

Haverá período de transição para empresas se adaptarem às novas regras

As Resoluções BCB n.º 269 e n.º 293 podem impedir o acesso de exchanges e outras empresas ao Pix, a não ser que sua atuação passe a se conformar às determinações daquelas peças legais. O Banco Central estabeleceu um regime de transição que se aplica ao caso das instituições cuja atuação seja compatível com o ordenamento legal do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e do Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Uma exigência, porém, é que essas instituições tenham tido em vigor em 1º de dezembro do ano passado contratos de terceirização, caso em que podem solicitar adesão ao sistema Pix até 31 de maio deste ano. Durante o processo de transição, as empresas que se enquadrem nessa categoria poderão continuar a oferecer o Pix a seus clientes.

Segundo Mayara Yano, o regime de transição tem o objetivo de resguardar, tanto quanto possível, os clientes de incômodos. Também deve permitir que as empresas que vêm usando o sistema Pix de forma incompatível com os parâmetros estabelecidos pela Resolução BCB n.º 269, tal como esclarecidos pela Resolução BCB n.º 293, mas agem de boa-fé, possam adaptar-se.

A perda do acesso ao Pix, um sistema de pagamentos instantâneos que revolucionou o modo pelo qual brasileiros pagam suas contas e fazem transferências conta a conta, seria um grande baque para as exchanges e afetaria negativamente a capacidade de manter o tipo de serviço que elas vêm oferecendo a seus clientes.

A relação entre o sistema de pagamentos Pix e ativos digitais também esteve em evidência recentemente devido à fala do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que falou do projeto-piloto do Real Digital e da relação entre este e o Pix, que está perto de entrar em operação. 

Na mesma apresentação em que disse isso, na conferência BTG Pactual CEO Conference 2023, que aconteceu nos dias 14 e 15 deste mês, afirmou que a moeda digital, o Pix e o Open Finance trarão grandes mudanças aos serviços de intermediação financeira no Brasil, facilitando a vida dos usuários deles.

O Open Finance foi implementado em 2021. Ele permite o compartilhamento entre instituições financeiras dos dados dos clientes dela, com a permissão deles, de modo que, no mesmo aplicativo, uma pessoa possa acompanhar informações como saldo, depósitos e saques de contas em diferentes instituições, facilitando a tarefa de supervisão e gestão de suas finanças.

Já o Real Digital será uma moeda digital dirigida especialmente ao uso por empresas e será emitida pelo Banco Central do Brasil. A população poderá ter acesso a ele através de depósitos tokenizados, os quais serão emitidos por instituições financeiras que tenham recebido autorização para isso do Banco Central. Campos afirmou que o Real Digital terá integração com o Pix.

Binance já teve problemas com o Pix

As mudanças poderão não vir sem sua dose de solavancos. Em junho do ano passado, por exemplo, a Binance rompeu sua parceria com o Capitual, isso porque os usuários dela no Brasil estavam reclamando de dificuldades para retirar seus fundos. 

A instituição financeira em nota ao site Cointelegraph, que a inquiriu sobre o assunto, respondeu que os serviços que presta a exchanges estrangeiras estavam funcionando corretamente, mas havia sido necessário fazer mudanças em sua operação devido à determinação do Banco Central para adequar sua plataforma aos controles e exigências de segurança. 

A Binance então passou a usar a Latam Gateway, uma empresa brasileira especializada em prover soluções de pagamentos instantâneos.

Moedas digitais de bancos centrais estão cada vez mais em alta

Moedas como o Real Digital são chamadas de Central Bank Digital Currency (Moeda Digital de Banco Central) ou CBDC. Entre os países experimentando com o conceito, que se espera consiga reduzir riscos e custos de transações, estão China, índia, Nigéria e Jamaica. Vários bancos centrais ao redor do mundo estão em diferentes estágios de avaliação, planejamento ou implementação de suas moedas digitais.

Segundo Campos Neto, a instituição que ele preside está trabalhando em maneiras de ter a plataforma do Real Digital conectada a redes de blockchain já existentes como, por exemplo, a Cardano, a Binance Smart Chain e a Ethereum. Desta última, aliás, a qual é a segunda maior rede de blockchain, atrás apenas da do Bitcoin, que o Real Digital toma sua inspiração.

Os textos das Resoluções BCB n.º 269 e n.º 293 podem ser, respectivamente, consultados em https://www.lex.com.br/resolucao-bacen-no-269-de-1o-de-dezembro-de-2022/ e https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=442488.

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