Entenda o impacto do novo pacote econômico de Milei

Pedro Augusto
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O presidente da Argentina, Javier Milei, anunciou no final de dezembro um pacote econômico com reformas significativas por um decreto de necessidade e urgência (DNU) em pronunciamento nacional.

Esse decreto, contendo mais de 300 reformas, entra em vigor imediatamente sem a necessidade de aprovação do Congresso.

Durante o anúncio, que foi pré-gravado e transmitido em rede nacional, Milei, acompanhado de seus ministros e altos funcionários, destacou 30 medidas principais.

Entre elas, estão a eliminação das políticas de controle de preços da Lei de Abastecimento e das restrições às exportações.

O pacote de medidas também inclui a desregulamentação da legislação trabalhista e do mercado de aluguéis, além da redução dos mecanismos de fiscalização do Ministério da Economia em práticas comerciais.

Um ponto notável do decreto é a transformação de empresas estatais em sociedades anônimas (S.A.s), marcando um passo inicial para a privatização dessas entidades.

Além disso, com a vigência do decreto, clubes de futebol argentinos, que possuem uma jurisdição especial no país, agora têm a opção de se transformar em sociedades anônimas.

Impactos do pacote econômico sob os olhos de economistas


O anúncio de um novo pacote econômico pelo governo do presidente Javier Milei na Argentina promete causar grandes mudanças no país. Como resultado, especialistas apresentam visões diferentes sobre as possíveis consequências.

A Agência Brasil entrevistou dois professores de economia, André Roncaglia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Mauro Sayar da Universidade Federal de Minas Gerais, para entender melhor esses impactos.

André Roncaglia, representando uma corrente heterodoxa e desenvolvimentista. Ele critica as medidas do governo, alegando que podem levar a uma “terapia de choque” na sociedade argentina, com risco de causar recessão e convulsões sociais.

Por fim, ele argumenta que o déficit fiscal é mais um efeito do processo inflacionário do que uma causa, desafiando a abordagem do governo.

Medidas mais duras também são cogitadas

Por outro lado, Mauro Sayar, com uma visão liberal, defende a necessidade de medidas duras para combater o déficit público.

Ele reconhece que, apesar dos potenciais efeitos negativos, os benefícios sociais anunciados pelo governo podem ajudar a amenizar o impacto dessas medidas.

Sayar critica políticas populistas anteriores na Argentina, argumentando que medidas mais severas são necessárias para melhorar a situação do país.

Essas perspectivas distintas refletem as divergências entre correntes de pensamento econômico. Roncaglia e Sayar representam visões opostas sobre as causas e consequências das políticas econômicas.

Medidas do pacote econômico argentino


O Ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, afirmou que o grande vilão dos problemas econômicos do país é o déficit fiscal, causado pelo Estado que gasta mais do que arrecada.

Caputo, que atuou como secretário de Finanças no governo de Maurício Macri entre 2015 e 2019, declarou que a solução passa por enfrentar esse problema de frente, adotando uma abordagem oposta à usual.

Para diminuir o déficit fiscal primário, que se espera estar abaixo de 3% do PIB em 2024, o governo argentino anunciou uma série de medidas drásticas.

Entre elas, estão reduzir subsídios para transporte e energia e uma depreciação de 50% da moeda (dólar oficial passando para 800 pesos). Além disso, há a diminuição do número de ministérios de 18 para 9 e de secretarias de 106 para 54, além do cancelamento de obras públicas ainda não iniciadas e a promessa de não iniciar novas.

Medidas podem piorar a situação antes de melhorá-las

Outras ações incluem a taxação de importações e exportações, a eliminação das licenças para importar e a não renovação de contratos de trabalhadores estaduais com menos de um ano de serviço.

Essas ações visam combater a inflação, que atingiu 160% no acumulado de 12 meses até novembro.

Caputo reconhece que as medidas podem inicialmente piorar a situação econômica, especialmente no que se refere à inflação, mas assegura que, após o impacto inicial, a economia deve mostrar melhoras.

Para mitigar os efeitos negativos destas medidas, o governo duplicou o valor de benefícios assistenciais e aumentou em 50% o cartão alimentação.

Segundo economista, pacote econômico deve prejudicar a maioria


O professor Roncaglia alerta que as recentes medidas econômicas adotadas tendem a elevar a inflação, impactando negativamente a maioria da população.

Ele destaca que estas medidas, ao pressionarem a inflação, diminuem os salários de forma considerável. Isto criaria dificuldades para exportadores, uma vez que incidem tributos tanto sobre as exportações quanto sobre as importações, sem oferecer incentivos para investimentos.

Ele enfatiza que tais políticas acabam sobrecarregando os trabalhadores, aposentados e funcionários públicos, que são os mais afetados pelo custo da estabilização econômica.

Argentina pode precisar de novos empréstimos do FMI

Roncaglia também observa que a camada mais rica da população, especialmente aqueles que possuem dólares fora do país, provavelmente não sentirá os mesmos efeitos dessas medidas.

O economista expressa incerteza quanto à eficácia dessas medidas para promover a recuperação econômica.

Ele argumenta que a terapia de choque adotada não aborda a causa principal do problema inflacionário, que é a escassez de dólares.

Roncaglia sugere que a atração de dólares pode depender de novos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Isto acaba levantando questionamentos sobre a disponibilidade e a suficiência de recursos que o FMI estaria disposto a emprestar à Argentina para estabilizar sua economia.

Déficit criado pode impulsionar ainda mais a inflação


Mauro Sayar, economista, argumenta que a população mais pobre já está sentindo os efeitos da inflação e sugere que a solução para combatê-la é equilibrar as contas públicas.

Ele destaca a importância do ajuste fiscal, pois, segundo ele, isso aumenta a credibilidade do governo. Atualmente, isso é o contrário do que acontece na Argentina, onde os títulos governamentais perdem valor devido à inflação.

Sayar também é a favor da redução de subsídios que, em sua opinião, acabam beneficiando a parcela mais rica da população, como no caso dos subsídios aos combustíveis.

Ele defende que os preços devem refletir os custos reais das mercadorias, sem intervenções artificiais para reduzi-los.

As medidas propostas por Milei receberam elogios do Fundo Monetário Internacional (FMI). Julie Kozarck, diretor de Comunicações do FMI, mencionou que as medidas podem ajudar a estabilizar a economia e criar bases para um crescimento mais sustentável e liderado pelo setor privado.

No entanto, movimentos sociais e sindicatos na Argentina estão se preparando para protestar contra o pacote de austeridade fiscal. Em resposta, o governo argentino afirmou que usará as Forças Armadas, caso as manifestações prejudiquem a circulação de pessoas e mercadorias.

Quando o pacote econômico entra em vigor?


O Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) anunciado por Milei nesta quarta-feira começará a valer assim que for publicado no Diário Oficial da Argentina.

Seguindo esse passo, Nicolás Posse, o chefe de gabinete da Presidência, terá um prazo de 10 dias para encaminhar o decreto ao Congresso Nacional para que seja analisado.

Logo após, uma comissão bicamaral, formada por oito deputados e oito senadores, terá mais 10 dias para elaborar um parecer sobre o decreto. Este parecer será então examinado pelas duas Casas do Congresso.

Caso o Congresso não se manifeste sobre o DNU, o decreto permanecerá válido na forma como foi proposto pelo Executivo. Essa situação já ocorreu com centenas de decretos do ex-presidente Alberto Fernández.

Após novo pacote econômico, bolsa de valores argentina fechou em alta de 2,5%


Na quinta-feira (21/12), o Merval, índice da bolsa de valores da Argentina, fechou com uma alta de 2,5%, alcançando 942.904 pontos.

Durante o dia, o índice registrou um pico de alta de 5,5% após o anúncio do presidente Javier Milei do “megapacote” para desregular a economia argentina e flexibilizar as legislações.

Enquanto isso, o peso oficial desvalorizou-se, caindo para 804,20 por dólar. Por outro lado, a dívida soberana do país no mercado de balcão experimentou um aumento médio inicial de 4%.

Paralelamente, na bolsa de Nova York, as ações de empresas argentinas apresentaram um desempenho positivo.

A estatal YPF registrou uma alta de 1,41%, cotada a US$ 17,96, enquanto a Pampa Energia, atuante nos setores de óleo, gás, e na geração e distribuição de eletricidade, teve um aumento de quase 1%, sendo negociada a US$ 50,55.

Argentinos fazem “panelaço” em oposição ao novo pacote econômico


Durante o discurso do presidente Javier Milei, manifestantes na Argentina realizaram panelaços em Buenos Aires e outras cidades do país.

Os protestos com panelaços foram registrados durante os 15 minutos do discurso do presidente e continuaram por aproximadamente mais 30 minutos após o término da transmissão, conforme relatado pelo Clarín.

Ainda na mesma noite, insatisfeitos com as medidas anunciadas, muitos argentinos saíram às ruas da capital em direção ao Congresso.

Publicações em redes sociais mostraram vídeos de pessoas caminhando pelas ruas e interrompendo o tráfego de veículos. Os manifestantes também se concentraram em importantes vias da cidade, como a Avenida 9 de julho e Avenida Independência.

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