Como o Brasil é afetado pela desaceleração da economia da China?

Pedro Augusto
| 7 min read

O futuro da economia da China ainda gera grandes dúvidas no mercado. Após um começo de ano promissor devido ao fim da política de Covid Zero, a economia da China mostrou sinais de desaceleração.

Além disso, os indicadores de crescimento são inconsistentes e os analistas concordam que, sem os estímulos governamentais, a China teria dificuldades em atingir a meta de crescimento de 5%.

Na última semana, o Banco do Povo da China (PBoC) optou por manter a taxa de juros do empréstimo de médio prazo (MLF) de um ano em 2,5%, injetando 1,4 trilhão de yuans no sistema financeiro para estimular a economia.

Economia da China demonstra otimismo na indústria e no varejo


Recentemente, o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS) da China divulgou dados otimistas sobre a produção industrial e as vendas no varejo de outubro.

Surpreendentemente, ambos os setores mostraram crescimento e superaram as expectativas dos analistas. A produção industrial aumentou 4,6% em outubro em relação ao mesmo mês do ano anterior, um avanço maior que os 4,5% de setembro e acima da previsão de 4,3%.

Em resumo, as vendas no varejo cresceram 7,6%, também excedendo as projeções de 7% e marcando um aumento em relação ao crescimento de 5,5% em setembro. No entanto, os números do setor imobiliário são motivo de preocupação.

O mercado imobiliário, um dos mais importantes da economia da China, não consegue manter o ritmo de crescimento


Antes da pandemia, a China vivenciava um aumento no investimento em moradias e infraestrutura.

Michael Pettis, do Carnegie China, informa que os investimentos nesses setores representam cerca de 20% a 30% do PIB do país anualmente, com o investimento total chegando a 40% a 45% do PIB.

No entanto, o setor não conseguiu manter o ritmo de crescimento no primeiro trimestre, período em que a economia começou a se recuperar com o fim das restrições da política de Covid Zero.

O setor imobiliário chinês, por sua vez, enfrenta uma crise marcada por inadimplências e pedidos de proteção contra falência de grandes incorporadoras. A crise da Evergrande em 2021 acabou sendo apenas uma das muitas preocupações do setor.

Vendas de imóveis pioraram

As vendas de imóveis pioraram nos primeiros dez meses do ano, apesar das tentativas de Pequim para conter a crise imobiliária prolongada.

As vendas caíram 3,7% em valor até outubro, enquanto o investimento imobiliário recuou 9,3% e a construção de novas moradias diminuiu 23,2%.

Outro dado preocupante do NBS indica uma queda na demanda por petróleo nas refinarias do país, de 15,4 milhões de barris para 15 milhões de barris por dia em outubro.

Economia da China tem impacto direto nas exportações do Brasil


Carlos Braga, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e ex-diretor do Banco Mundial, lembra que desde 2008 a China é o maior mercado para as exportações brasileiras, principalmente de soja, milho e outras commodities não processadas.

Mauro Rochlin, professor de MBAs da FGV, concorda que uma desaceleração na economia chinesa afetaria significativamente as exportações brasileiras e, consequentemente, o PIB do Brasil.

A China tem uma participação significativa nas exportações brasileiras, que por sua vez são uma parte importante do PIB do Brasil.

Segundo dados do Banco Mundial, o comércio exterior representou 39% do PIB brasileiro em 2021, o maior índice da série histórica desde 1960.

Em 2023, as exportações do Brasil estão alcançando recordes. Até o final de outubro, a balança comercial registrou um superávit de US$ 80,212 bilhões, com exportações totalizando US$ 282,471 bilhões e importações de US$ 202,258 bilhões.

Mesmo com desaceleração, economia da China ainda é uma das mais importantes para o mundo

Uma desaceleração econômica na China poderia impactar negativamente o Brasil, reduzindo o volume de exportações.

Carlos Braga, destaca que a desaceleração da economia chinesa é esperada, mas as tensões geopolíticas recentes com os EUA complicam a situação.

Ele também aponta que as exportações chinesas estão perdendo força nos mercados americano e europeu.

Apesar da desaceleração, o crescimento da China ainda é um dos principais impulsionadores da economia global, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

No entanto, as mudanças na economia chinesa preocupam o Brasil, pois podem afetar os produtos mais exportados pelo país.

Em 2021, as exportações para a China totalizaram US$ 88,3 bilhões, representando mais de 30% das exportações brasileiras.

Minério de ferro (32,7%), soja em grãos (30,9%) e petróleo bruto (16,1%) foram os principais produtos na pauta de exportações para os portos chineses.

Situação da China pode mexer com os preços das commodities

A demanda pelo minério de ferro, principalmente vinda do setor de construção civil em declínio, é uma grande preocupação.

Além disso, a China vem anunciando repetidamente sua intenção de alcançar a autossuficiência alimentar, o que representa um desafio para os exportadores de grãos e carnes. O país investe em tecnologia para aumentar a produção própria de soja. Alimentar mais de um bilhão de pessoas, no entanto, não é simples.

“A China está fazendo um esforço dramático, mas deve continuar dependendo significativamente de países como o Brasil e a Argentina“, explica Braga.

Esta dependência chinesa pode impactar os volumes exportados pelo Brasil, além de influenciar o preço das commodities.

Como a China detém uma grande parte da demanda global, uma redução em suas compras poderia abaixar os preços internacionais, afetando até mesmo o petróleo, que impacta todas as outras commodities.

Setor de investimentos também seria afetado

Com a desaceleração econômica da China, outra área essencial para o crescimento do Brasil também está em risco: os investimentos estrangeiros diretos.

Nos últimos anos, a participação da China aumentou significativamente, tornando-a um dos cinco maiores investidores no Brasil.

Em 2021, os aportes chineses alcançaram US$ 29,9 bilhões, representando 5% de todo o capital estrangeiro que entrou no país, de acordo com o Banco Central.

“Caso o crescimento da economia chinesa fique menor, devemos ver cair também o investimento direto chinês no Brasil”, conclui Rochlin, da FGV.

Em relação a outros países, economia da China teve uma recuperação pior no pós-Covid


O relatório do Itaú destaca que os impactos da reabertura econômica chinesa pós-Covid-19 diferiram dos outros países, principalmente devido à falta de estímulo fiscal às famílias.

Os Estados Unidos, Europa e países emergentes, incluindo a América Latina, tiveram uma recuperação mais forte por conta de transferências governamentais significativas.

Esta abordagem impulsionou o consumo da população, porém a China não seguiu esses passos.

Na China, a ausência de incentivos fiscais para as famílias pode levar a impactos estruturais mais profundos. A limitada rede de proteção social no país asiático pode forçar as famílias chinesas a manterem um nível mais alto de poupança por precaução, resultando em menor consumo.

Economia da China estava “descompassada” com o resto do mundo

O relatório também aborda desafios adicionais, como a desconexão do ciclo econômico chinês do resto do mundo e a implementação de políticas voltadas para a “prosperidade comum”, que visam reduzir a desigualdade de renda.

Durante a pandemia em 2020, a China manteve suas fábricas operando e suas exportações aumentaram, sustentando o crescimento econômico.

Em 2021, começou a retirada dos estímulos, enquanto outros países continuaram com essas políticas. Já em 2022, os ciclos econômicos se inverteram, com a China estimulando sua economia e o resto do mundo começando a retirar os estímulos.

A política de “prosperidade comum” implementada pela China apresentou desafios, afetando potencialmente o potencial do país, a confiança e o dinamismo do setor privado.

Além disso, as relações geopolíticas entre a China e os EUA se deterioraram desde a guerra comercial de 2018-19.

A situação foi agravada pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia, impactando negativamente nos investimentos estrangeiros diretos na China.

Nos últimos dois anos, esses investimentos na China foram menores que os recebidos pela Índia e pelo Brasil.

No fim, os fatores internos do Brasil vão acabar pesando mais que os externos


O banco suíço Julius Baer aponta que, dentre as economias latino-americanas, a brasileira é a segunda mais influenciada pelo crescimento chinês.

De janeiro a agosto deste ano, 30% das exportações brasileiras foram para a China, ficando atrás apenas do Chile, onde cerca de 40% das receitas de exportação provêm do gigante asiático.

Nenad Dinic, analista do Julius Baer, ressalta que o crescimento econômico do Brasil pode ser impulsionado por uma inflação mais controlada e um ciclo de redução da taxa de juros.

Ele enfatiza que os investimentos em infraestrutura e transição ecológica são fatores que podem favorecer o crescimento do Brasil no médio e longo prazo.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revisou “para cima” suas projeções para o crescimento do PIB brasileiro em 2023 e 2024.

As estimativas para esses anos aumentaram de 1,7% para 3,2% e de 1,2% para 1,7%, respectivamente.

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