Projeto de Lei Complementar que pretende estabelecer as diretrizes para emissão do Real Digital é protocolado no Congresso Nacional

Killian A.
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A senadora Soraya Thronicke protocolou o Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 80/2023, que pretende estabelecer as diretrizes que autorizam o Banco Central do Brasil (BC) a emitir o Real Digital.

O PLP n. 80/2023 foi apresentado com o intuito de alterar a Lei n. 4.595, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Como justificativa para apresentação do projeto, a Senadora alegou que:

“Eventos do BCB e audiências públicas ocorridas no Congresso Nacional indicaram a necessidade de alteração da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, para que seja concedida autorização legislativa para essa evolução tecnológica.  Entendemos que o assunto merece amplo debate com especialistas para construção de regras que ajudem a fomentar a inclusão financeira, a proteção de consumidores e o contínuo desenvolvimento da nossa economia. Considerando a relevância do crédito para o desenvolvimento da economia, precisamos cuidar da possibilidade de alavancagem pelas instituições públicas e privadas para evitarmos a redução de oferta o que poderia impactar as taxas de juros e prejudicar o crescimento da economia”.

O PLP n. 80/2023 está, atualmente, no Plenário do Senado Federal (Secretaria Legislativa do Senado Federal) e aguarda despacho.

Principais diferenças entre CBDC e ativos virtuais

Antes de tudo, é preciso esclarecer que Central Bank Digital Currencies (CBDC) e Crypto Assets (chamados de moedas virtuais) não são sinônimos. Pelo contrário, eles são muito diferentes em diversos aspectos.

A natureza dos crypto assets é de ativos, de forma que eles não têm todas as características fundamentais para serem considerados moeda – servir como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta – e não são emitidas por autoridades monetárias, como os bancos centrais. Já os CBDC são moedas de fato e detêm todas as suas características.

Criptomoedas como Bitcoin e Ethereum, apresentam uma grande volatilidade dificultando seu uso como meio de pagamento. Já o Real Digital é uma expressão da moeda brasileira, que é emitida em papel moeda, mas que está sendo desenvolvida em formato digital, para dar suporte a um ambiente seguro onde empreendedores possam inovar e onde os consumidores possam ter acesso às vantagens tecnológicas trazidas por essas novas ferramentas, sem que para isso seja necessário se expor a um ambiente financeiro não regulado.

O Real Digital pertencerá a uma nova categoria de moedas digitais, as CBDC – do inglês Central Bank Digital Currencies. O Real Digital não será uma criptomoeda, mas sim uma nova expressão da moeda emitida pela autoridade monetária brasileira, e será garantida pelos mesmos fundamentos e pelas mesmas políticas econômicas que determinam o valor e a estabilidade do Real convencional, emitido em papel moeda.

O Real digital será emitido pelo Banco Central, tendo como fundamento a condução da política monetária, que visa garantir a estabilidade do poder de compra do Real. Portanto, não haverá mineração do Real Digital.

As pessoas ou empresas que desejarem adquirir os Reais em formato digital devem entregar Reais em formato convencional e o Banco Central emitirá os Reais digitais correspondentes. Essa operação não será feita diretamente com o Banco Central, e será intermediada por um participante do sistema financeiro, como banco, cooperativa ou fintech, do sistema de pagamentos, como uma instituição de pagamento, ou de algum novo tipo de empresa que venha a ser criada sob a autorização do BC para intermediar o acesso e a utilização de reais no formato digital.

Uma coordenação internacional poderia trazer enormes ganhos de eficiência para esses sistemas e as discussões sobre CBDC, das quais a grande maioria dos bancos centrais têm participado, colaboram para reforçar essa coordenação, de forma que o Banco Central do Brasil não pode se abster dessa discussão.

Por fim, o foco da iniciativa do Real Digital é direcionado para as questões domésticas, mas a discussão internacional sobre pagamentos transfronteiriços tem mostrado força, principalmente com as diretrizes publicadas pelo G20 para a melhora dos sistemas internacionais de pagamentos.

O que é o Real Digital, nova forma do Real que promete inovação dos meios de pagamento

Conforme as informações disponibilizadas pelo Banco Central, uma das diretrizes para o desenvolvimento do Real no formato digital é a interoperabilidade entre essa nova forma do Real e os meios de pagamento hoje disponíveis à população. Com isso, além dos novos usos que se imagina para o Real Digital, as formas atuais de uso deverão ser também disponíveis.

Com o Real Digital, será possível fazer pagamentos em lojas, através do prestador de serviço de pagamentos, ou mesmo através do Pix. Poderá, também, ser realizada a transferência de Reais Digitais para outras pessoas, transformar os Reais Digitais que estarão em custódia de um banco em depósito bancário convencional, sacar os Reais Digitais passando para o formato físico, pagar contas, boletos e impostos. Ou seja, será possível movimentar os Reais Digitais da mesma forma que são movimentados os outros recursos hoje depositados nos bancos.

Para ter acesso ao Real Digital, o usuário final terá uma carteira virtual em custódia de um agente autorizado pelo Banco Central – como um banco ou uma instituição de pagamento. É importante destacar que o Real Digital será uma representação digital do Real físico hoje em circulação. E a política monetária será a base de sustentação de seu valor.

Assim, quando o BC movimenta a liquidez da economia, em sua missão de garantir a estabilidade do valor de compra do Real, a quantidade de reais digitais em circulação será levada em conta. O Real Digital vai compor a medida de agregado monetário de maior liquidez disponível, similar a depósitos bancários e à moeda física que está hoje em poder das pessoas.

Uma diretriz estabelecida para o Real Digital é que ela mantenha os elevados níveis de segurança e privacidade hoje disponíveis nas operações realizadas no sistema bancário e de pagamentos. Além disso, o uso do Real Digital promete ser transparente, com a possibilidade de ser convertido para qualquer outra forma de pagamento atualmente disponível, como depósito bancário convencional ou em real físico, e também poderá ser utilizado para pagamentos do dia a dia.

Quais são os desafios da implantação do Real Digital em um sistema de pagamentos moderno

O Banco Central acredita que o maior desafio para a implantação de um real digital está relacionada ao fato de o sistema de pagamentos brasileiro já ser bastante moderno, com boas soluções implantadas tanto para pagamentos no atacado quanto no varejo. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos, é um sucesso de adesão e tem ajudado a mudar a maneira como pequenos negócios fazem as suas transações.

Dessa forma, um dos maiores desafios na implantação do Real Digital é ir além dos serviços que já são prestados à sociedade brasileira e fomentar o desenvolvimento de novas funcionalidades, novos serviços e novas formas de prestação de serviços financeiros. O mercado brasileiro ainda não está completamente pronto para esses novos modelos, mas a transformação digital está se acelerando, e não há como se ter certeza de o quão rápido a demanda por esses novos serviços vai se intensificar.

Por isso, o Banco Central deve estar preparado para desenvolver instrumentos para atender às demandas da sociedade e para garantir a eficácia de suas políticas de estabilidade monetária e financeira, conforme expresso em sua missão. O real digital parece ser a ferramenta ideal para essas tarefas.

Além disso, a questão tecnológica é também muito importante. As tecnologias envolvidas na implantação de moedas digitais de bancos centrais estão amadurecendo rapidamente, mas vários testes ainda serão necessários para estabelecer os níveis de eficiência, segurança e privacidade dessas soluções tecnológicas.

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