Ações de maior banco da Alemanha despencam em mais um capítulo da crise bancária que pode ter importantes consequências para o futuro das criptomoedas

Gabriel Gomes
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Na sexta-feira, dia 24 de março, as preocupações relacionadas à estabilidade do setor financeiro mundial intensificaram-se graças à forte queda experimentada pelas ações do Deutsche Bank, o maior banco da Alemanha. Este é mais um capítulo da crise de âmbito global que vem abalando o setor bancário.

Nas últimas semanas, bancos americanos como Silicon Valley Bank e Signature foram fechados pelos reguladores por falta de liquidez, e, em um esforço mediado pelo governo da Suíça para impedir o colapso do segundo maior banco da Suíça, o Credit Suisse, este foi comprado pelo maior banco suíço, o UBS Group AG.

Ações do Deutsche Bank despencam mais de 10% em um dia

As ações do Deutsche Bank despencaram de 9,06 euros para 8,25 euros na sexta-feira, uma queda de 11% no dia. Em um mês, os papéis perderam mais de 25% de seu valor. As preocupações com a possibilidade de que o Deutsche Bank quebre refletiram-se nos preços de contratos do Credit Default Swaps (CDS), dos quais ele é a entidade de referência.

Durante a vigência dos contratos de CDS, o comprador obriga-se a fazer pagamentos regulares ao vendedor, e este obriga-se a, em caso de inadimplência da entidade a que os contratos se referem, a chamada entidade de referência, compensar o comprador, o que leva ao encerramento do contrato. Os contratos de CDS funcionam, portanto, como seguros “anticalote”. Ademais, seus preços são indicadores das percepções do mercado quanto aos riscos de inadimplência da entidade de referência.

Segundo dados da S&P Global Market Intelligence, empresa especializada em informações e análises financeiras, os preços dos contratos de CDS do Deutsche Bank com validade de cinco anos alcançaram seu mais alto nível desde 2018. Eles subiram 142 pontos-base em apenas dois dias, ultrapassando os 220 pontos-base.

Nem mesmo os bons números que o banco alemão vem exibindo, inclusive 10 trimestres seguidos de lucros e, em 2022, quase 6 bilhões de euros (cerca de 34 bilhões de reais) em lucros, já descontando os impostos, foram o bastante para acalmar os temores dos investidores com relação à sua estabilidade.

Deutsche Bank não deve contar com atitudes semelhante às que o governo americano tem tomado para proteger os bancos

Além de ser o maior banco da Alemanha, o Deutsche Bank, que chegou ao fim do ano passado com ativos superiores a US$ 1,4 trilhão de dólares, é um dos dez maiores bancos da Europa. Para que se tenha uma ideia, o Silicon Valley Bank, cujo tamanho levou os reguladores americanos, no esforço para impedir uma crise sistêmica, a socorrer seus depositantes, inclusive os que não estavam cobertos pelo seguro federal de depósitos, tinha cerca de US$ 200 bilhões de dólares em ativos.

A resposta americana, aliás, foi recebida com críticas de reguladores europeus, que a consideraram uma ameaça à credibilidade do sistema bancário mundial. Apesar disso, o governo dos Estados Unidos parece disposto a persistir no uso de garantias dos depósitos bancários como forma de restabelecer a confiança do público. No dia 23 de março, quinta-feira, Janet Yellen, Secretária do Departamento do Tesouro, afirmou que o departamento que ela lidera está pronto para tomar “medidas adicionais” nesse sentido, se for necessário.

Com o cenário econômico se tornando cada vez mais imprevisível, não é surpreendente que os formuladores de políticas estejam dispostos a praticamente qualquer coisa para proteger os recursos dos poupadores e a integridade do sistema bancário. Se os remédios que escolheram terão os resultados esperados em vez de, como temem alguns analistas, serem piores do que a doença, resta a ser visto.

Atitude do governo americano diante da crise poderia ter consequências desastrosas

Um dos problemas da linha empregada até agora pelos reguladores americanos é que pode levar poupadores e acionistas ao temor de que a situação do sistema bancário seja pior do que é, estimulando corridas aos depósitos, piorando a situação dos bancos e aumentando as chances de que seja necessário intervir neles e oferecer garantias aos seus depositantes.

Outro possível efeito nocivo de medidas como a garantia de todos os empréstimos em bancos que estejam em dificuldades é que elas fazem com que se erga o espectro do risco moral, que acontece quando correr um risco se torna mais atraente para um agente, pessoas ou instituição, porque ele não incorrerá na totalidade de suas possíveis consequências negativas que possam sobrevir.

Os bancos, por exemplo, podem se sentir mais inclinados a agir de maneira menos cautelosa se acreditarem que poderão se beneficiar dos lucros maiores que essa atitude lhes trouxer e que, caso suas escolhas deem maus resultados, os custos serão assumidos, em parte ou na totalidade, pelo governo.

Os depositantes, por sua vez, se acreditarem que terão seus empréstimos garantidos pelo governo, mesmo aqueles que não estão legalmente cobertos pelo seguro federal de depósitos, terão menos incentivos para se preocuparem com a solidez do banco em que depositam seu dinheiro. Com isso, podem acabar se concentrando exclusivamente em fatores como rentabilidade ou comodidade e expondo-se a riscos desnecessários.

Apesar da queda na ações, analistas ainda acreditam no Deutsche Bank

No período que antecedeu o resgate do Credit Suisse, houve um aumento no custo dos contratos de CDS relacionados a ele, que, segundo a S&P Global Market Intelligence, chegaram a 1194 pontos-base, um nível muito mais alto do que aquele alcançado pelos do Deutsche Bank até agora. 

Apesar do ambiente tumultuado e da queda das ações do banco, alguns analistas de mercado têm expressado confiança no futuro dele. Um exemplo é Jim Cramer, que apresenta o programa financeiro Mad Money na rede americana CNBC.

Na mesma sexta-feira em que as ações do Deutsche Bank despencavam, Cramer afirmou que o banco está “indo bem”, fornecendo uma posição otimista em meio ao sentimento predominante de incerteza. No entanto, com o cenário bancário permanecendo altamente imprevisível, é difícil saber o que o futuro reserva para o Deutsche Bank e para o setor financeiro em geral.

As respostas dos formuladores de políticas econômicas aos desdobramentos da crise do sistema bancária exercerão profundos efeitos sobre este e sobre a economia de modo geral. O mercado de criptomoedas, provavelmente, não ficará sem ser afetado.

Crise pode contribuir para o fim da política de apertos monetários dos EUA

A recente série de quebras de grandes bancos nos Estados Unidos e na Europa levou a uma mudança dramática nas percepções do mercado. Os investidores agora estão levando em conta mais seriamente não só a possibilidade de interrupção da escalada das taxas de juros americanas, que, desde o ano passado, foram de quase zero a entre 3,75% e 4% ao ano, como até a realização de alguns cortes nos juros no decorrer deste ano.

As altas de juros levadas a cabo pelo Federal Reserve (também conhecido como Fed), o banco central americano, foram, em parte ao menos, responsáveis pela atual crise bancária. Isso porque elas reduziram o valor de títulos de longo prazo do governo americano, em que muitos bancos investiram parte considerável de seus recursos. Isso afetou negativamente a liquidez deles e, consequentemente, sua capacidade de responder a eventos de curto prazo como o aumento de saques de clientes, o que afetou a confiança dos depositantes na segurança de seus depósitos, agravando a situação.

Também colabora para a sensação de que a política de aumentos da taxa de juros pode ter esgotado sua utilidade e sua viabilidade política o fato de que as quebras de bancos têm efeito deflacionário e podem esfriar a economia, não só tornando a intensificação do aperto monetário para combate da inflação desnecessário, mas até exigindo medidas de aquecimento da economia como o corte de juros.

Quando os juros abaixarem as criptomoedas devem voltar a subir forte

O aperto monetário que vem sendo levado a cabo pelo banco central americano como forma de controlar a inflação costuma ser apontado como uma das causas do mercado de criptomoedas em baixa no ano passado, quando, por exemplo, o Bitcoin perdeu mais de 60% de seu valor.

Um dos efeitos do aumento dos juros pelo Fed é tornar mais atraente a compra de ativos como os títulos do Tesouro americano, que são considerados bastante seguros, o que reduz o capital disponível para outros investimentos, especialmente aqueles considerados arriscados. 

O aperto de crédito, que retira liquidez do mercado, também colabora para reduzir o dinheiro disponível para investimentos como criptomoedas. Estas poderão ter sua valorização favorecida pela mudança de política monetária do Fed, se ela vier.

Mesmo durante as fortes altas do mercado de criptomoedas deste ano, que recuperaram parte das perdas de 2022, dizia-se que tais ativos, especialmente o Bitcoin, estavam testando a máxima “não lute contra o Fed”.

Balanço patrimonial do Fed se aproxima de máxima histórica

Outro fator a ser levado em conta é o efeito que terão as medidas de resgate aos bancos levadas a cabo pelo Fed para conter a crise. Nas últimas duas semanas, o balanço patrimonial do Fed expandiu-se em quase US$ 400 bilhões de dólares. Ele agora está próximo do recorde de US$ 8,95 trilhões que alcançou no ano passado depois da aquisição de títulos públicos e outros ativos como forma de estímulo à economia.

Embora hajam observadores que considerem essa expansão do balanço patrimonial do banco central americano uma política que aumentará a liquidez do mercado e, com isso, ajudará a impulsionar o preço de criptomoedas como o Bitcoin, o consenso, por enquanto, não diz isso.

Para a maioria se tratam de empréstimos de curto prazo para que os bancos atravessem a crise e que, por enquanto, os recursos não estão sendo usados para gerar empréstimos para negócios e consumidores, o que seria estimulante para a economia e denotaria afrouxamento da política monetária.

No entanto, é possível que, se a crise bancária se agravar e/ou o cenário econômico se deteriorar, o Fed abandone de vez o aperto monetário e passe a irrigar o mercado com liquidez, o que poderia favorecer a elevação das cotações de criptomoedas. É possível que, a depender das proporções que a crise bancária tome, das reações do público e, especialmente das decisões dos formuladores de políticas econômicas, as criptomoedas possam, em breve, contar com o vento da política monetária a seu favor, o que não acontecia há um bom tempo. 

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